O continente africano, um dos mais afectados pelas pandemias que forçam a interrupções sucessivas da provisão dos cuidados primários, é chamado a construir sistemas de saúde pública mais resilientes para responder rapidamente as ameaças emergentes na área da saúde.
O processo passa pela autonomia continental na área de investigação e produção de conhecimentos para enfrentar novas pandemias e, deste modo, evitar a reedição do cenário que se viveu com a Covid-19, quando África foi colocada no segundo plano no processo da contenção da doença, desde o diagnóstico, tratamento e mais tarde a administração da vacinação.
Para Moçambique, os desafios mostram-se ainda mais prementes tendo em conta os constrangimentos que o sistema de saúde enfrenta, associados a falta de fundos para suprir as necessidades do sector, numa altura em que, para além da luta contra endemias como malária, HIV-SIDA, tuberculose, o país regista aumento do peso de doenças não transmissíveis, de entre as quais se destacam as cardiovasculares, a diabetes e o cancro.
A visão foi partilhada hoje, em Maputo, em entrevista à AIM, pela docente da Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane e pesquisadora no Centro de Investigação de Saúde da Manhiça, Prof. Doutora Esperança Sevene, no quadro dos preparativos da participação do país na 2ª Conferência Internacional de Saúde Pública em África (CPHIA 2022), organizada pelo Centro de Controlo de Doenças de África (Africa CDC) a ter lugar próximo mês em Kigali, Ruanda.
“Esta situação levanta várias questões ao nível do continente, sobre como melhorar a investigação, definição de políticas relativas a saúde e dos investimentos dos governos neste sector. A nível da União Africana, os Estados membros já reconhecem que é necessário ser resilientes para enfrentar novas pandemias, na sua agenda 2063 – a Africa que queremos”, disse Esperança Sevene.
Referiu que as etapas para a resiliência passam necessariamente pelo cometimento a nível dos governos da União Africana, bem como a criação de parcerias multi-sectoriais para o fortalecimento da capacidade dos Institutos de Saúde Pública, Centros de Pesquisa e Universidades para a produção de evidências a nível de vacinas, meios de diagnósticos e terapêuticos para o controlo de grandes emergências tal como foi o caso da Covid-19, tendo como base a investigação.
“Devemos estar preparados para emergências. As emergências não podem aparecer sempre como uma surpresa. É imperioso fortalecer os profissionais e o sistema de saúde para a resposta às emergências”, salientou.
A fonte revela que também é urgente restaurar a nível do continente e da região programas e serviços de saúde afectados pela crise sanitária tais como os programas de imunização, controlo de HIV-SIDA, malária e outras doenças, que devido a atenção especial dada a pandemia da Covid19 acabaram sendo negligenciadas.
“Muitas das iniciativas que já estavam bem estabelecidas e com avanços foram afectados. Os serviços que mais nos preocupam são os programas de imunização, intervenções na malária e HIV, entre outros”, vincou.
Segundo Sevene, apesar das limitações, Moçambique tem estado a contribuir em grandes temas de investigação a nível do continente, nomeadamente, as endemias como a malária, tuberculose, HIV-SIDA entre outras, com produção de evidências científicas a partir das universidades, do Centro de Investigação de Saúde da Manhiça e do Instituto Nacional de Saúde, entre outros actores na área de saúde.
Anotou que, apesar de o país estar a dar passos significativos no campo de investigação, os esforços não têm sido acompanhados pela produção de diversos conhecimentos, realçando que é necessário um trabalho interno a médio e longo prazo do ponto de vista de criação e transferência de tecnologias, investimento em recursos humanos e financeiro para suportar a operação.
“Por exemplo, Moçambique esteve envolvido no desenvolvimento da vacina da malária que hoje em dia a OMS recomenda a sua administração. O país também está a contribuir com estudos para entender a efectividade e a segurança a longo prazo das vacinas contra a Covid-19”, acrescentou.
Refira-se que, o CPHIA 2022 é uma plataforma para pesquisadores africanos, formuladores de políticas e partes interessadas se reunirem e compartilharem perspectivas e descobertas de pesquisas em saúde pública, assegurando a colaboração científica e inovação no continente.
Estará no topo da agenda das discussões do CPHIA 2022 a preparação para futuras pandemias, a recuperação pós-pandémica, lições aprendidas da Covid-19 para futuras ameaças à saúde, a preparação de África para a produção de vacinas para as doenças infecciosas letais em África, entre outros temas (https://cphia2022.com/).