Domingos Mossela, da AIM, em Lisboa
Lisboa, 02 Abr (AIM)- Para além de Lisboa, a capital, a luta pelo direito à habitação e por melhores salários para fazer face ao elevado custo de vida, agravado pela guerra na Ucrânia e as sanções contra a Rússia, fez-se ouvir, este sábado, no centro do Porto, no Norte, por manifestantes de todas as idades, ainda que predominassem os mais jovens.
“Passamos fome e frio para pagar ao senhorio (proprietário)”, gritavam os manifestantes no Porto, segundo escreve o diário ‘Público’.
Ana Maria Rebelo chegou aos 75 anos sem nunca ter participado numa manifestação, mas desta vez não podia ser, não podia ficar em casa. “Isto é mesmo importante. A gente precisa de casa para viver.”
Os manifestantes empunhavam cartazes com vários dizeres: ‘Casas para Viver!’, ‘Casas Sim, Lucros Não!’ Manifestações idênticas decorreram noutras cidades do país, nomeadamente Coimbra e Aveiro, no Centro, e Braga, no Norte de Portugal, mas não há noticias de incidentes relatados pelas Televisões, Rádios e Jornais..
Em Lisboa, largas centenas de pessoas encheram a Alameda Afonso Henriques para denunciar a crise habitacional, exigindo uma casa digna para todos e a regulação das rendas, ao som de tambores e de músicas de intervenção. Um autêntico mar de gente marchou pela Avenida Almirante Reis em direcção à Praça do Martim Moniz.
A manifestação da capital portuguesa acabou em confrontos com a polícia, no Martim Moniz, e duas jovens foram detidas pela Polícia de Segurança Pública (PSP) no interior do Mercado Oriental.
As raparigas de origem portuguesa e italiana foram, entretanto, libertadas.
Segundo imagens das Televisões RTP, SIC Notícias, CNN Portugal, tudo aconteceu no final do protesto no Martim Moniz. Gerou-se uma enorme confusão, foram atiradas pedras, garrafas de cerveja e outros objectos aos agentes da PSP e algumas motas da Polícia vandalizadas com tinta vermelha.
A PSP carregou sobre os manifestantes e atirou gás pimenta e usou bastonadas. Alguns entrevistados no local falam em feridos porque a carga policial foi ‘bastante musculada’ mas as imagens televisivas não mostraram nenhum ferido.
Juntaram-se ao protesto em Lisboa os líderes do Partido Comunista Português (PCP) e do Bloco de Esquerda, Paulo Raimundo e Catarina Martins que criticaram o pacote de medidas do Governo para a habitação, aprovado, na quinta-feira (30) pelo Governo de maioria absoluta do Partido Socialista (PS).
APROVAÇÃO DO PROGRAMA ‘MAIS HABITAÇÃO’ NÃO ACALMA MANISTANTES
Recorde-se que no âmbito do programa Mais Habitação, o Conselho de Ministros aprovou na quinta-feira (30 de março) ‘duas propostas de Lei a submeter à Assembleia da República, o Parlamento português, e um decreto lei que visa promover o investimento em arrendamento acessível, reforçar a confiança no mercado de arrendamento e mobilizar património disponível para o afectar à habitação’, segundo o Primeiro-Ministro António Costa numa conferência de imprensa, em Almada.
As medidas do Governo ainda não convencem os portugueses, numa altura em que arrendar um quarto custa 400 euros a 500 euros e o salário mínimo aprovado pelo Governo é de 705 euros, vigorando a partir de 1 de janeiro de 2022.
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Na ocasião, António Costa lembrou que ‘a 16 de fevereiro colocámos em discussão pública o programa Mais Habitação e trouxemos para o centro do debate político uma questão central para a vida dos portugueses’, acrescentando que ‘dois objectivos principais norteiam o programa: em primeiro lugar, apoiar as famílias no acesso à habitação e, em segundo, garantir mais habitação acessível às famílias’.
«Houve uma discussão pública viva e participada, que foi prolongada a pedido da ANMP», e que recebeu 2700 contributos.
O Primeiro-Ministro assinalou que ‘já entraram em vigor os dois primeiros diplomas (apoio à renda e bonificação dos juros no crédito à habitação) e vamos prolongar a discussão relativa ao ordenamento do território e à simplificação do licenciamento até ao Conselho de Ministros de 27 de abril’.
Por seu turno, a Ministra da Habitação, Marina Gonçalves, sublinhou que ‘estes diplomas complementam a resposta estrutural que está em curso de reforço das respostas públicas de arrendamento’, apontando várias linhas de intervenção.
A primeira linha de intervenção é estimular novos projectos privados de arrendamento acessível, o que será feito através da cedência de terrenos ou edifícios devolutos do Estado, complementado com uma linha de financiamento bonificado, com previsibilidade das rendas, assentes no programa de rendas acessíveis, e com incentivos fiscais.
A segunda é o reforço do papel do sector cooperativo, através da cedência de terrenos e edifícios devolutos do Estado, com financiamento bonificado, tendo o Estado como parte destes projectos.
A terceira é dar confiança ao mercado de arrendamento, através da redução da tributação fiscal do arrendamento e de uma justiça mais célere na regulação do mercado, nomeadamente no Balcão Nacional de Arrendamento, com o Estado a intervir na garantia das rendas e nas situações sociais dos inquilinos, permitindo aos senhorios voltar a colocar as casas no mercado.
A quarta é dar respostas às famílias – duas das quais já foram aprovadas, o crédito à renda e o crédito à habitação –, através do Porta 65 Jovem, garantindo que funcione de forma contínua em vez de em três períodos de candidatura, do Novo Porta 65 Mais, que responde às situações de quebras de rendimentos e para famílias monoparentais, para proteger os inquilinos com contratos anteriores a 1990, salvaguardando a compensação dos senhorios através de benefícios fiscais, e o programa Arrendar para Subarrendar, envolvendo as autarquias, garantindo rendas que não podem ultrapassar 35 por cento do rendimento das famílias.
A quinta é o combate à especulação, através da redução dos benefícios fiscais associados a revenda de imóveis para os por no mercado, e da renda justa, uma medida de curto prazo para limitar o aumento das rendas de novos contratos, salvaguardando os contatos que estão até ao limite do programa de apoio ao arrendamento.
A sexta é a mobilização do património público e privado disponível, com uma linha de financiamento para os municípios garantirem as obras de conservação, e incentivar a mobilização de terrenos para usos habitacionais.
O Ministro das Finanças, Fernando Medina, falou das políticas fiscais destinadas a melhorar o mercado de arrendamento e de habitação.
A primeira dimensão é o desagravamento muito significativo para todos os que coloquem casas no arrendamento habitacional diminuindo a taxa geral de 28 por cento para 25 por cento, taxa que descerá significativamente à medida que aumenta a duração do contrato de arrendamento. Num contrato a cinco anos desce de 16 por cento para 25 por cento, num de cinco a 10 anos desce de 23 por cento para 15 por cento, de 10 a 20 anos de 14 por cento para 10 por cento e para mais de 20 anos desce de 10 por cento para 5 por cento.
A segunda é que os que destinam ou constroem imóveis para arrendamento acessível, em que havia isenção fiscal, são agora também isentados de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis).. Os que celebrem contratos de desenvolvimento habitacional com o Estado não pagarão IMI nem imposto de selo nem o IVA (Imposto sobre Valor Acrescentado) das empreitadas.
A terceira é o estímulo directo ao arrendamento, pelo que os titulares de alojamento local que decidam convertê-lo em arrendamento estável até final de 2024, não pagarão pelos seus rendimentos prediais no IRS até 2023. Os senhorios que ainda têm rendas antigas não pagarão pelos seus rendimentos prediais no IRS e no IMI.
A quarta é a isenção de IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) para mais-valias de vendas ao Estado e entre particulares em que o valor da venda seja reinvestido em imóveis destinados a habitação acessível e a isenção de mais-valias pela venda de património imobiliário para amortização de créditos de habitação certa e permanente sua ou de seus descendentes.
Fernando Medina referiu ainda a devolução do seguro de renda no IRS para senhorios que coloquem casas no mercado de arrendamento, dar autonomia aos municípios para tributar prédios rústicos com capacidade de edificação sem necessitarem de solicitação do proprietário, possibilidade de os inquilinos comunicarem à Autoridade Tributária os contratos de arrendamento, mantém-se uma contribuição especial do sector do alojamento local, excluindo os localizados em zonas de baixa densidade e tudo o que não sejam apartamentos individuais.
(AIM)
DM