Maputo, 06 Mai (AIM) – A escritora moçambicana Paulina Chiziane defende que a língua portuguesa, para ser de todos os povos que a falam, precisa de “tratamento, limpeza, descolonização”, dando como exemplo a maneira como algumas palavras surgem definidas nos dicionários.
Durante o discurso sexta-feira (05), depois de ter recebido o prémio Camões 2021, numa cerimónia em Lisboa, Paulina Chiziane partilhou que há na língua portuguesa “algumas especificidades” que fazem com que esta “por vezes” a “assuste”.
A escritora deu exemplos de definições que encontra em dicionários de Língua Portuguesa para algumas palavras, como catinga, “que vem como cheiro nauseabundo característico da raça negra”.
“Fico muito triste quando olho para aquilo. Será que tivemos tempo de olhar para estas questões?, disse.
Paulina Chiziane nomeou também matriarcado, que aparece definido como “costume tribal africano”, em contraposição com patriarcado, “tradição heroica dos patriarcas”.
“Em África temos matriarcado, sobretudo na região norte de Moçambique. É um costume tribal, deita fora, é coisa de africano. Mas patriarcado já tem valor. Que machismo é esse?”, questionou.
A escritora partilhou ainda “uma última palavra, mas há muitas”: palhota, “habitação rustica característica dos negros”.
“Está provado que palhota é habitação ecológica. A língua portuguesa para ser nossa precisa de um tratamento, de uma limpeza, de uma descolonização”, defendeu.
Paulina Chiziane, vinda “de lugar nenhum” e que ‘aprendeu a escrever na areia do chão” e usou “o primeiro par de sapatos com 10 anos”, mostrou-se hoje “muito feliz” por receber o Prémio Camões, “um prémio tão importante, exactamente no Dia Mundial da Língua Portuguesa”.
“Para quem vem do chão, estar aqui diante do Governo português, do Governo brasileiro, do corpo diplomático e de várias personalidades é algo que me comove profundamente. Caminhei sem saber para onde ia, mas cheguei a algum lugar, que é este prémio”, disse.
Dos vários agradecimentos que fez, o maior foi para os seus leitores, “em Moçambique e em todos os países que falam português”.
O Prémio Camões é o galardão literário mais importante da língua portuguesa, a si atribuído em 2021.
Chiziane foi a vencedora da 33.ª edição do prémio, por decisão unânime de um júri constituído pelos brasileiros Jorge Alves de Lima e Raul César Gouveia Fernandes, pelos portugueses Ana Maria Martinho e Carlos Mendes de Sousa, pela moçambicana Teresa Manjate e pelo guineense Tony Tcheka.
No seu comunicado, o júri destaca “a vasta produção” de Chiziane e o “reconhecimento académico e institucional da sua obra”, valorizando ainda “a importância que a escritora dedica nos seus livros aos problemas da mulher moçambicana e africana”, bem como “o seu trabalho recente de aproximação aos jovens, nomeadamente na construção de pontes entre a literatura e outras artes”.
Instituído por Portugal e pelo Brasil em 1988, e atribuído anualmente desde 1989, quando consagrou Miguel Torga, o Prémio Camões presta homenagem a um escritor que, pela sua obra, contribua para o enriquecimento e projecção do património literário e cultural de língua portuguesa.
Organizado, em Portugal, pelo Ministério da Cultura, através da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas e do Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais, o Prémio Camões tem o valor pecuniário de 100 mil euros, assumido em partes iguais pelos governos português e brasileiro.
Como resultado dos atrasos causados pela Covid-19, Paulina Chiziane recebeu o “Camões” apenas alguns dias após este ser entregue ao músico e escritor brasileiro Chico Buarque, que o venceu em 2019.
(AIM)
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