Maputo, 23 Jul (AIM) – A saúde pública pode estar em risco devido ao lixo electrónico que, diariamente, aumenta a olhos vistos e carece do devido tratamento, sobretudo nos grandes centros urbanos em Moçambique.
Este é um problema que resulta da acção humana num um mundo cada vez mais digitalizado, o que torna os aparelhos electrónicos cada mais indispensáveis no dia-a-dia.
O grande problema, porém, surge no momento do descarte desses aparelhos.
Uma simples aritmética revela que se, por exemplo, 50 instituições usarem, no seu funcionamento normal uma média de 15 computadores e cinco máquinas de impressão, por cada uma delas volvidos quatro anos, período médio para a mudança de equipamento, serão jogados ao lixo 750 computadores e 250 máquinas de impressão para o meio ambiente.
A nível doméstico são biliões de dispositivos electrónicos, incluindo televisores, telemóveis, microondas entre outros, cujo descarte varia em função do desgaste.
Por isso, Amino Naran, investigador na Universidade Eduardo Mondlane (UEM) para a área de saúde pública, explica que o lixo electrónico pode impactar negativamente na saúde pública de várias formas. Como exemplo, Naran cita a contaminação do lençol freático.
O descarte desses resíduos, por exemplo, pode afectar o lençol freático contribuindo negativamente na qualidade da água. Outrossim, é que pode contaminar os solos, impedindo o crescimento de espaços verdes.
Naran diz ainda que caso o lixo seja recolhido e tentar-se tratar ao nível doméstico, como acontece com as baterias, por exemplo, pode resultar numa série de impactos negativos na saúde das pessoas envolvidas no processo.
“Os impactos hão-de variar em função de como ele [o lixo electrónico] é tratado”, refere, acrescentando que chegou a altura para seleccionar o lixo em função da sua natureza, por exemplo lixo orgânico, vidros, plásticos e outros materiais.
Sobre a composição do lixo electrónico, o director do Centro de Informática da UEM, Luís Domingos, diz que estes resíduos são compostos por substâncias altamente tóxicas, como é o caso de mercúrio, berílio, chumbo, entre outros.
Domingos acrescenta que um dos principais problemas é que estes objectos possuem componentes que, na sua maioria, são de difícil decomposição e afectam agressivamente não só a saúde humana, mas também a natureza.
É sobre isso que Maurício Xirinda, representante da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN – Sigla inglesa), diz que o lixo electrónico, uma vez queimado, liberta gases que, para além de altamente nocivos para o ambiente também afectam a saúde humana.
O representante da IUCN em Moçambique também junta a sua voz as outras pessoas que exprimem a sua preocupação.
“O que temos que fazer é criar entidades especializadas para tratar este lixo. Isso porque se tivermos lixo electrónico, não devemos deitar fora indiscriminadamente , mas sim condicioná-lo para de seguida entregar às entidades com capacidade para tratar esse lixo da forma mais adequada”, referiu o representante da IUCN.
Para fazer face à problemática do lixo electrónico, pode-se seguir, por exemplo, as iniciativas aplicadas para o tratamento do plástico, que também é um resíduo problemático para o ambiente.
O ambientalista moçambicano Carlos Serra Jr. Também partilha da mesma opinião reconhecendo que, para além da saúde da natureza, o descarte dos resíduos electrónicos coloca em causa a saúde humana. Por isso, defende que é chegada a altura de embarcar com a recolha selectiva de lixo para permitir que esses resíduos, para o seu reaproveitamento integral sempre que possível.
É que, no entender de Carlos Serra, por se tratar de resíduos altamente tóxicos e as vezes radioactivos, o país já devia ter elaborado um regulamento para a gestão dos resíduos electrónicos.
Outro aspecto, não menos importante, segundo diz, é que o país deveria impor uma responsabilidade alargada que vai desde os produtores até aos importadores como forma de criar uma cadeia de responsabilização sobre o uso e descarte de equipamentos electrónicos.
“Isso significaria que teríamos um sistema para garantir a recolha selectiva, algo que hoje não acontece”, afirmou.
Porém, para a criação de uma lei que regule a gestão dos resíduos electrónicos, seria necessária a mobilização de um dossier que envolve, primeiro, a revisão da lei n°20/97 de 1 de Outubro que regula a utilização e exploração de componentes ambientais, lei da Terra aprovada em 1997.
Sobre a criação de uma lei para garantir uma melhor gestão dos resíduos electrónicos, a reportagem da AIM ouviu o Ministério da Terra e Ambiente, que, através do director de Planificação e Cooperação, Francisco Sambo, reconheceu que o país ainda não tem uma legislação específica para abordar a questão do lixo electrónico.
Sucede, entretanto, que apesar da inexistência do referido instrumento legal, o país já dispõe de um regulamento que versa sobre lixo perigoso, aprovado pelo decreto n°13/2006 de 15 de Junho. Mesmo assim, segundo a fonte não se pode considerar de forma automática que o regulamento do lixo perigoso é aplicável ao lixo electrónico.
Até porque, mesmo no âmbito do lixo perigoso, conforme descrito nos termos do artigo 3, o mesmo decreto tem reservas de aplicação em algumas particularidades, nomeadamente resíduos biomédicos; resíduos perigosos sujeitos a regulamentação específica, entre outros.
Sobre a questão, Sambo assegura ser por isso que, volvidos 26 anos desde a aprovação da lei de terra, o sector já está a preparar um processo de auscultação que deverá culminar com a revisão do instrumento com vista a acomodar os desafios actuais do meio ambiente.
Em termos concretos, segundo a Direcção de Planificação e Cooperação no Ministério da Terra e Ambiente, antes do fim do quinquénio 2020-2024, ou seja, até 2024 o país já terá o almejado instrumento.
“A previsão de termos a lei pronta, o mais tardar, se calhar, é antes mesmo do fim do quinquénio. Estamos a falar de 2024 para já termos a lei aprovada”, disse.
Mas outro facto, se calhar pouco discutido, é que o país perde receitas com a falta de valorização, gestão e tratamento dos resíduos electrónicos.
Com relação às perdas resultantes da não valorização dos resíduos electrónicos, Carlos Serra Jr., entende que Moçambique perde um potencial enorme de investimento que poderia surgir na sequência da criação de empresas especializadas na reciclagem e venda desses materiais.
“Ao nível da dimensão ambiental, perdemos, efectivamente, por ter esses resíduos no meio ambiente e que depois afectam a saúde pública”, disse.
Mas não basta a simples vontade afirma Carlos Serra. Explica que apenas será possível alcançar este objectivo quando o país avançar para um sistema de responsabilização orgânica dos produtores.
Ainda sobre as perdas, o professor e investigador na UEM para a Área de Botânica e Ecologia Marinha, Salomão Bandeira, adverte que o lixo electrónico é um problema não só de imagem, mas também moral, pois com lixo electrónico descartado de uma forma desregrada o país perde um potencial no material biodegradável que poderia ser usado, se calhar, para a reprodução de mais espaços verdes para o ecossistema.
Outrossim, segundo Bandeira, é que a valorização desses resíduos poderia servir para o melhoramento da vida das comunidades através do uso da economia circulante, como fonte de emprego.
“As pessoas que deveriam colher o lixo electrónico estariam numa componente de empregabilidade através da economia circulante. Com isso poderia diminuir o desemprego e reduzir o lixo nas cidades”, disse.
“É muito importante investirmos não só a jusante, no contexto do lixo electrónico, mas também a montante”, acrescenta.
Entretanto, fica evidente que uma das condições para que o país tenha um ambiente sustentável e, sobretudo, não prejudicial à saúde pública urge reduzir a distância entre a teoria e a prática no tocante à implementação de medidas de mitigação e reforma das leis.
(AIM)
SC/sg