Maputo, 12 Out(AIM) – As emergências sanitárias e as mudanças climáticas estão profundamente relacionadas e o continente africano precisa de respostas colaborativas para enfrentar os desafios da eminência de uma crise dupla.
Essa é a conclusão dos académicos Roma Chilengi, Director-geral, Instituto Nacional de Saúde Pública da Zâmbia e Githinji Gitahi, CEO do Grupo Amref Health Africa, na antevisão da Conferência Internacional sobre Saúde Pública em África (CPHIA 2023), que vai ter lugar na em novembro deste ano na Zâmbia.
Os académicos defendem que, num mundo cada vez mais atormentado pela ameaça crescente das mudanças climáticas, África está à beira do precipício de uma crise dupla, que não inclui somente o aumento das temperaturas ou fenómenos meteorológicos extremos, mas afecta também a interacção complexa entre o ambiente e a saúde das populações.
“A magnitude destas ameaças não deve funcionar como elemento dissuasor, mas sim como um forte apelo à acção, exigindo o nosso reconhecimento da interdependência entre o clima e a saúde, a nossa compreensão das consequências das mudanças climáticas e a nossa dedicação ao enfrentamento directo destas ameaças”, defende os autores.
Segundo as fontes, em todo o continente, os padrões climáticos já deixaram de aderir aos ritmos previsíveis do passado, e as mudanças têm profundas implicações para a saúde pública.
“As secas prolongadas, as inundações devastadoras, a desertificação e a degradação ambiental têm estado a destruir os ecossistemas, a ameaçar vidas e meios de subsistência e a tornar as comunidades vulneráveis à propagação de doenças”, vincam.
À medida que os ecossistemas se vão fragmentando e os habitats se vão alterando, a distância entre os animais e os seres humanos vai diminuindo, aumentando o potencial de doenças zoonóticas, doenças que passam dos animais para os seres humanos e vice-versa, definindo assim um cenário de surtos potencialmente devastadores.
As alterações verificadas nos padrões de temperatura e precipitação têm também afectado a distribuição dos vectores transmissores de doenças, tais como os mosquitos, ampliando os seus habitats para regiões anteriormente não afectadas. Isso pode resultar num aumento da prevalência de doenças como a malária e a febre do dengue. Entretanto, as secas e as mudanças verificadas nos padrões de precipitação podem resultar numa escassez de água e numa deterioração da qualidade da água, levando a um aumento do risco de doenças transmitidas pela água, como a cólera e a febre tifóide.
Segundo os autores, por exemplo, desde Janeiro de 2022 que se registaram mais de 238.000 casos de cólera e 4327 mortes em 15 países africanos – um dos piores surtos de cólera a atingir a região nestes últimos anos. O surto tem sido agravado por inundações, secas, ciclones e outros fenómenos meteorológicos extremos, sendo necessário tomar medidas urgentes para reforçar a preparação e as respostas dos países.
Assim sendo, qual é a solução para esta rede complexa de mudanças climáticas e emergências sanitárias? A solução começa com uma alteração da nossa maneira de pensar – um movimento em direcção a um alinhamento holístico e a uma maior colaboração entre os sectores. Necessitamos urgentemente de políticas e estratégias que levem em consideração impactos tanto ambientais como sanitários. Devemos compreender que a atenuação das mudanças climáticas, a adaptação e a resiliência no campo da saúde não são empreendimentos separados, mas estão interconectados, reforçando-se mutuamente.
As iniciativas tais como o Plano de Acção Conjunto de Preparação e Resposta a Emergências (JEAP), liderado pelo Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças (Africa CDC) e pela OMS, constituem um exemplo importante de como os esforços de colaboração nos podem ajudar com esta adaptação às crises climáticas. O JEAP é uma parceria estratégica que irá estimular os esforços de preparação e resposta às emergências em todo o continente africano, garantindo assim que os surtos de doenças que ocorram durante as crises humanitárias e climáticas sejam geridos de forma eficaz. Este plano visa várias áreas prioritárias, incluindo o desenvolvimento de sistemas de vigilância e a sequenciação genómica, para uma detecção acelerada de surtos de doenças, planeando a acumulação de reservas de materiais de emergência em centros regionais recentemente estabelecidos, de forma a melhorar as operações de resposta às emergências e o desenvolvimento da capacidade de mão-de-obra para o destacamento de primeiros socorros no prazo de 24 a 48 horas após o início de um surto de doença.
Mas o processo não termina aí. Devemos fortalecer continuamente os nossos sistemas e infraestruturas de saúde, reforçar os estabelecimentos de saúde, dar formação à nossa força de trabalho do sector de saúde, garantir o acesso a medicamentos e vacinas essenciais, e investir na investigação, na biossegurança, na vigilância das doenças e em sistemas de resposta rápida. Todos estes investimentos são fundamentais para ajudar os países a atenuar o impacto das emergências sanitárias activadas pelas mudanças climáticas.
As nações e os líderes africanos e seus parceiros devem também alavancar as instituições e plataformas mundiais e regionais para se alinharem em torno de estratégias compartilhadas, e devem desenvolver planos de acção que façam acelerar o progresso. No início do ano, a Africa Health Agenda International Conference (AHAIC 2023) (Conferência Internacional da Agenda de Saúde para África) abriu caminho, colocando as mudanças climáticas como pilar central da conferência, para ajudar a transpor barreiras e promover uma maior colaboração entre os intervenientes nos sectores climático e de saúde. O comunicado da AHAIC 2023 apelou para uma frente unida para a acção climática em África, de forma a prevenir e reduzir os impactos das mudanças climáticas na saúde do povo africano.
Infelizmente, na recente Cimeira Climática Africana perdeu-se a oportunidade de reiterar este apelo à acção, já que a resultante Declaração de Nairobi não mencionou a necessidade de adoptar abordagens integradas e holísticas para enfrentar a crise conjunta de mudanças climáticas e emergências sanitárias no continente. Embora a declaração tivesse apelado para outras mudanças importantes, tais como a necessidade de introduzir reformas financeiras globais e de reestruturar a dívida, o que permitirá que os países africanos invistam em acções climáticas, devemos garantir que a saúde seja mais bem integrada na futura agenda climática africana.
A próxima Conferência Internacional sobre Saúde Pública em África (CPHIA 2023), a realizar em Lusaka, Zâmbia, constitui uma oportunidade importante para se fazer avançar a deliberação e acção mundial e regional sobre a relação entre o clima e a saúde. A CPHIA 2023 reunirá investigadores, decisores políticos e outros intervenientes africanos, com o objectivo de reforçar a colaboração científica e a inovação em todo o continente, e o foco principal incidirá sobre o desenvolvimento de resiliência, face às ameaças climáticas, e o reforço da colaboração multissectorial, para enfrentar de forma holística as mudanças climáticas e os desafios de saúde.
A salvaguarda da saúde de África face às mudanças climáticas não é apenas uma responsabilidade; é um imperativo. As doenças emergentes e reemergentes e as ameaças sanitárias que enfrentamos estão cada vez mais ligadas às consequências das mudanças climáticas. Os países africanos devem responder ao desafio, dedicando os recursos necessários e trabalhando a níveis multissectoriais para enfrentarem as mudanças climáticas e desenvolverem simultaneamente sistemas de saúde resilientes. Fazendo isso, teremos a oportunidade de proteger a saúde das nossas populações e do nosso ambiente, garantindo um futuro mais saudável e vibrante para África. Chegou a altura de agirmos e colaborarmos, com uma dedicação inabalável.
AIM/ Cphia2023