Serviço da AIM
Kharkiv (Ucrânia) , 01 Dez (AIM) – O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, reconhece que a guerra com a Rússia está numa nova fase, prevendo-se que o inverno complique os combates após uma contra-ofensiva de verão que não conseguiu produzir os resultados desejados devido à escassez persistente de armas e Recursos Humanos (forças terrestres).
Apesar dos contratempos, porém, ele disse que a Ucrânia não desistirá.
“Temos uma nova fase de guerra, e isso é um facto”, disse Zelenskyy numa entrevista exclusiva na quinta-feira à Associated Press (AP) em Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, após uma visita à região para levantar o moral dos militares que combatem no terreno. “O inverno como um todo é uma nova fase da guerra.”
Questionado se estava satisfeito com os resultados da contra-ofensiva, o presidente ucraniano deu uma resposta complexa.
“Olha, não vamos recuar, estou satisfeito. Estamos a lutar com o segundo (melhor) exército do mundo, estou satisfeito”, disse, referindo-se aos militares russos. Mas acrescentou: “Estamos perdendo pessoas, não estou satisfeito. Não conseguimos todas as armas que queríamos, não posso estar satisfeito, mas também não posso reclamar muito.”
Zelenskyy também disse temer que a guerra Israel-Hamas ameace ofuscar o conflito na Ucrânia, já que agendas políticas concorrentes e recursos limitados colocam em risco o fluxo de ajuda militar ocidental para Kiev.
E essas preocupações são amplificadas pelo tumulto que inevitavelmente surge durante um ano eleitoral nos Estados Unidos da América (EUA) e pelas suas potenciais implicações para o seu país, que viu a comunidade internacional unir-se em grande parte em torno dele após a invasão da Rússia em 24 de Fevereiro de 2022, segundo o Ocidente, e “operação especial para desnazificar Ucrânia”, de acordo coma narrativa da Rússia.
A contra-ofensiva altamente antecipada, impulsionada por dezenas de milhares de milhões de dólares em ajuda militar ocidental, incluindo armamento pesado, não produziu os avanços esperados. Só os EUA já desembolsaram mais de 33 mil milhões de USD em ajuda militar à Ucrânia desde Fevereiro do ano passado. O Reino Unido, a União Europeia e vários outros países da Europa, da Ásia, como é o caso da Coreia do Sul, já deram à Ucrânia biliões de dólares em assistência militar.
Agora, algumas autoridades ucranianas preocupam-se se a assistência adicional será tão generosa.
Ao mesmo tempo, os arsenais de munições estão a escassear, ameaçando paralisar as operações no campo de batalha ucraniano. Esta versão foi reconhecida pelos ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO na última reunião realizada em Bruxelas.
Com o inverno prestes a cobrir mais uma vez uma Ucrânia em tempo de guerra, os líderes militares têm de enfrentar desafios novos, mas familiares, à medida que o conflito se aproxima do final do seu segundo ano completo: há temperaturas gélidas e campos áridos que deixam os soldados expostos. E há a ameaça renovada de ataques aéreos russos generalizados em cidades que têm como alvo infra-estruturas energéticas e civis.
Em 25 de Novembro, Moscovo lançou o seu mais extenso ataque de drones da guerra, com a maioria dos 75 drones Shahed fabricados no Irão tendo como alvo Kiev, num precedente preocupante para os próximos meses.
“É por isso que uma guerra de inverno é difícil”, disse Zelenskyy.
Ele fez uma avaliação franca da contra-ofensiva do verão passado.
“Queríamos resultados mais rápidos. Nessa perspectiva, infelizmente, não alcançamos os resultados desejados. E isso é um facto”, disse ele.
A Ucrânia não obteve todas as armas de que precisava dos aliados, disse ele, e os limites no tamanho da sua força militar impediram um avanço rápido, acrescentou.
“Não há energia suficiente para alcançar os resultados desejados com mais rapidez. Mas isto não significa que devamos desistir, que tenhamos de nos render”, disse Zelenskyy. “Estamos confiantes nas nossas acções. Lutamos pelo que é nosso.”
Houve algumas conclusões positivas nos últimos meses, disse ele.
A Ucrânia conseguiu obter ganhos territoriais incrementais contra um inimigo mais bem armado e fortificado, reconheceu Zelenskyy.
Além disso, o poder da Frota do Mar Negro de Moscovo diminuiu, na sequência dos ataques ucranianos que penetraram nas defesas aéreas e atingiram o seu quartel-general na Crimeia ocupada, acrescentou Zelenskyy.
E um corredor temporário de cereais estabelecido por Kiev após a retirada da Rússia do acordo de cereais para garantir exportações seguras ainda está a funcionar.
Zelenskyy, porém, não está a remoer o passado, mas está concentrado na próxima fase – aumentar a produção nacional de armas.
Uma parte considerável do orçamento da Ucrânia é destinada a isso, mas a produção actual está longe de ser suficiente para mudar o rumo da guerra. Agora, Zelenskyy espera que os aliados ocidentais, incluindo os EUA, ofereçam empréstimos e contratos favoráveis para atingir esse objectivo.
“Esta é a saída”, disse Zelenskyy, acrescentando que nada aterroriza mais a Rússia do que uma Ucrânia militarmente auto-suficiente.
Quando se encontrou pela última vez com o presidente dos EUA, Joe Biden, membros do Congresso e outros altos funcionários, fez um apelo urgente: conceda à Ucrânia empréstimos e licenças baratos para fabricar armamento dos EUA.
“Dê-nos essas oportunidades e nós construiremos”, disse ele. “Qualquer que seja o esforço e o tempo necessários, faremos isso, e faremos isso muito rapidamente.”
Zelenskyy continua preocupado com o facto de a agitação no Médio Oriente, a mais violenta em décadas, ameaçar desviar a atenção e os recursos globais da capacidade da Ucrânia para se defender.
“Já podemos ver as consequências da mudança (de atenção) da comunidade internacional por causa da tragédia no Médio Oriente”, disse ele. “Só os cegos não reconhecem isso.”
Os ucranianos entendem “que também precisamos lutar pela atenção para a guerra em grande escala”, disse ele. “Não devemos permitir que as pessoas se esqueçam da guerra aqui.”
Essa mudança de enfoque poderá levar a menos assistência económica e militar ao seu país, disse ele. Numa aparente tentativa de amenizar esses receios, as autoridades norte-americanas e europeias continuaram a visitar Kiev desde os ataques de 7 de Outubro em Israel.
A mudança ainda o preocupa, disse Zelenskyy.
“Veja, atenção é igual a ajuda. Nenhuma atenção significará nenhuma ajuda. Lutamos por cada atenção”, disse ele. “Sem atenção, pode haver fraqueza no Congresso (dos EUA).”
Voltando-se para as próximas campanhas presidenciais e para o Congresso dos EUA, onde Biden enfrenta cepticismo sobre o seu firme apoio a Kiev, Zelenskyy reconheceu que “as eleições são sempre um choque e é completamente compreensível”.
Num momento em que os congressistas ponderam aplicar mais milhares de milhões de dólares no apoio a Kiev, quase metade da opinião pública dos EUA considera que o país está a gastar demasiado, de acordo com uma sondagem. Ainda assim, a percentagem é inferior à registada em Outubro.
Esse sentimento, impulsionado principalmente pelos republicanos, ajuda a explicar a oposição cada vez maior entre os congressistas conservadores do Partido Republicano no Capitólio, que estão a rejeitar os esforços do Presidente Joe Biden para aprovar uma nova parcela da ajuda à Ucrânia, argumentando que o dinheiro seria mais bem gasto nas prioridades internas.
Uma sondagem recente da AP nos EUA mostrou que quase metade dos americanos pensa que está a ser gasto demasiado na Ucrânia. Um número crescente de republicanos não é a favor do envio de mais ajuda e não está claro se ou quando um pedido de ajuda adicional da Casa Branca será aprovado pelo Congresso.
Quando questionado sobre isto, Zelenskyy respondeu sem rodeios que “a escolha dos americanos é a escolha dos americanos”.
Mas argumentou que, ao ajudar a Ucrânia, os americanos também estão a ajudar-se a si próprios., um argumento, entretanto, considerado pouco convincente.
“No caso da Ucrânia, se a resiliência falhar hoje devido à falta de ajuda e à escassez de armas e financiamento, isso significará que a Rússia provavelmente invadirá os países da NATO”, disse ele. “E então as crianças americanas lutarão.”
Zelenskyy procurou recentemente garantir que a máquina de guerra da Ucrânia funcionasse como deveria, fazendo uma recente mudança nos altos funcionários do governo, abordando outro dos seus objectivos de combater a corrupção numa instituição pós-soviética repleta de corrupção como um prelúdio para aderir ao União Europeia.
Ele disse que precisa saber como as armas, os suprimentos, os alimentos e até as roupas estão sendo entregues na frente – e o que não chega lá.
“Por um lado, esta não é função do presidente, mas por outro lado, posso confiar naqueles que não apenas me passaram a informação, mas me contaram pessoalmente”, afirmou.
As linhas de batalha estáticas não geraram pressão por parte dos aliados da Ucrânia para negociar um acordo de paz com a Rússia.
“Ainda não sinto”, disse ele, embora tenha acrescentado: “Algumas vozes são sempre ouvidas”.
A Ucrânia quer “impulsionar a fórmula para a paz e envolver o maior número possível de países do mundo, para que isolem politicamente a Rússia”, observou.
A guerra também tornou impossível a realização de eleições presidenciais na Ucrânia, originalmente previstas para Março, segundo a Constituição, disse ele.
Embora Zelenskyy tenha dito que estava pronto para realizar eleições, a maioria dos ucranianos não está, acreditando que tal votação seria “perigosa e sem sentido”, à medida que a guerra assola ao seu redor.
Com um orçamento que prevê gastar 22 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) do país na defesa e na segurança nacional, a economia da Ucrânia está a ser reestruturada em torno de uma guerra sem fim à vista, tal como a vida quotidiana dos seus cidadãos.
Isso levantou outra questão: por quanto tempo o próprio Zelenskyy conseguirá ser o líder de um país em guerra?
Não há palavras para descrever o quão difícil é o trabalho, disse ele, mas também não consegue imaginar deixar o cargo.
“Honestamente, você não pode fazer isso”, disse ele. “Isso seria muito injusto, errado e definitivamente desmotivador”.
(AIM)
AP/DM