Maputo, 30 Jan (AIM) – Morreu segunda-feira (29) o bilionário libanês Iskandar Safa, fundador e proprietário do grupo de empresas Privinvest, com sede no Líbano e Abu Dhabi, e um dos principais responsáveis pelo escândalo das “dívidas ocultas” em Moçambique.
Ao anunciar a sua morte, o director do semanário “Valeurs Acteurs”, Tugdul Denis, disse que Safa morreu de uma “doença grave” não especificada, rodeado por membros da sua família.
Safa comprou o “Valeurs Acteurs” em 2015. Trata-se de um jornal de extrema-direita, o que torna ainda mais questionável a sua amizade com altos funcionários moçambicanos.
Safa nasceu em 1955 e fez grande parte da sua fortuna na construção naval. O seu grupo Privinvest controla estaleiros navais no porto francês de Cherbourg, na Alemanha, em Abu Dhabi e na Grécia.
A Privinvest tornou-se notável em Moçambique pelo seu papel nas “dívidas ocultas”.
O termo “dívidas ocultas” refere-se aos empréstimos ilegais superiores a dois mil milhões de dólares americanos, concedidos pelos bancos Credit Suisse e VTB da Rússia em 2013 e 2014, a três empresas fraudulentas – Proindicus, Ematum (Empresa Moçambicana de Atum) e MAM (Mozambique Asset Management) – todas elas geridas pelo Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SISE).
Os empréstimos só foram concedidos porque o ministro das Finanças moçambicano na altura, Manuel Chang, assinou garantias – o que significava que se as empresas não conseguissem pagar os empréstimos, o Estado moçambicano haveria de assumir a dívida.
Como era previsível, as três empresas, depois de quase não produzirem receitas, faliram rapidamente e estão actualmente a ser liquidadas. Os bancos exigiram o seu dinheiro de volta, e deste modo, o que antes eram empréstimos ocultos tornaram-se em dívidas ocultas.
Desde o início, a Privinvest esteve profundamente envolvida nas negociações dos empréstimos. Um dos principais assessores de Safa, Jean Boustani, ofereceu grandes subornos a funcionários moçambicanos e a banqueiros do Credit Suisse. Três dos funcionários do Credit Suisse admitiram, em depoimento a um tribunal de Nova Iorque, que tinham recebido subornos da Privinvest.
Um caso peculiar deste negócio corrupto foi que Moçambique não recebeu nem um tostão do valor do empréstimo, pois todo o valor foi para as contas da Privinvest, para pagar os bens que as três empresas falsas estavam a comprar àquela empresa.
Uma auditoria independente realizada a Proindicus, Ematum e MAM no período compreendido entre 2016-17 mostrou que a Privinvest sobrefacturou escandalosamente os activos – como barcos de pesca, barcos de patrulha e estações de radar – que estava a vender a Moçambique. Os auditores avaliaram a sobrefacturação em mais de 700 milhões de dólares, ou seja, um terço de toda a fraude.
Além disso, os activos eram, na sua maioria, inúteis. A frota de barcos da Ematum quase nunca saíu para o mar. Eram barcos de pesca de atum de linha longa, mas os anzóis são iscados com lulas, cuja espécie não existe nas águas moçambicanas.
Por isso, a isca teve de ser importada da América Latina. Os barcos também tiveram de ser reequipados antes de lhes serem concedidas licenças de pesca pelas autoridades moçambicanas.
O envolvimento pessoal de Safa com os empréstimos moçambicanos foi demonstrado quando, em 2013, acompanhou os presidentes moçambicano e francês da altura, Armando Guebuza e François Hollande, ao estaleiro Privinvest em Cherbourg, onde os navios Ematum estavam a ser construídos.
A morte de Safa pode ter implicações no processo judicial em curso em Londres, no qual o Estado moçambicano exige o pagamento de uma indemnização no valor de 3,1 mil milhões de dólares à Privinvest e a Safa.
Inicialmente, Moçambique tinha exigido 11 mil milhões de dólares às empresas de Safa. Mas, depois de ter chegado a um acordo extrajudicial com o grupo suíço UBS, que actualmente detém o Credit Suisse, a Procuradoria-Geral da República (PGR) desistiu de uma parte substancial do pedido de indemnização contra a Privinvest.
Um advogado contratado pela PGR em Londres, Jonathan Adkin, disse que a decisão de reduzir o pedido de indemnização foi motivada pelo receio de que a Privinvest não pudesse pagar.
A Privinvest e Safa tentaram, sem sucesso, arrastar o Presidente moçambicano Filipe Nyusi para o banco das testemunhas. O juiz britânico que está a julgar o caso, Robin Knowles, decidiu que Nyusi goza de imunidade soberana como chefe de Estado em exercício e, portanto, não pode ser forçado a prestar depoimentos no julgamento em Londres.
A morte de Safa significa também que ele não comparecerá em nenhum tribunal moçambicano, nem como arguido, nem como testemunha dos crimes cometidos pelos seus parceiros moçambicanos durante o regime de Guebuza. Qualquer informação que Safa trazia na sua memoria morreu com ele
(AIM)
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