Lisboa, 24 Mai (AIM)- O antigo primeiro-ministro português, António Costa, foi ouvido esta sexta-feira pelo Ministério Público no âmbito da Operação Influencer, processo que provocou a queda, no ano passado, do Governo de maioria absoluta do Partido Socialista (PS).
A audição decorreu no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), em Lisboa, um mês após António Costa ter pedido para ser ouvido “com a maior celeridade possível”, segundo informação avançada pelo jornal “Expresso” e confirmada posteriormente pela CNN Portugal.
Passaram já seis meses desde que um parágrafo na comunicação da Procuradoria-Geral da República que fazia saber da Operação Influencer – parágrafo assumido pela própria procuradora-geral Lucília Gago – lançava dúvidas sobre o envolvimento do primeiro-ministro nos factos investigados, o que levou à sua demissão e posterior dissolução da Assembleia da República e realização de Legislativas antecipadas a 10 de Março deste ano (2024).
A CNN Portugal diz que António Costa foi ouvido apenas na qualidade de declarante, e não como arguido, tendo prestado declarações durante cerca de uma hora e meia.
“Não há nada pior do que haver uma suspeita e ela não ser esclarecida”, disse, na altura, António Costa, pedindo que essas mesmas suspeitas fossem esclarecidas, nomeadamente através da audição do próprio em sede judicial.
A equipa de advogados de António Costa enviou, entretanto, uma nota às redacções a confirmar a audição do ex-primeiro-ministro, e confirmando também que isso decorreu na sequência do requerimento do próprio, apresentado no dia 2 de Abril.
“No âmbito da inquirição, [António Costa] prestou todos os esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público, não tendo sido constituído arguido. Mantém-se, como até agora, totalmente disponível para colaborar em tudo o que o Ministério Público entender necessário”, esclarece a equipa de advogados composta por João Cluny e Diogo Serrano.
Recorde-se que este foi o caso que levou, em Novembro de 2023, à demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro, após ter sido divulgado que era alvo de um inquérito instaurado no Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, depois de extraída uma certidão do processo-crime Operação Influencer.
O ex-primeiro-ministro é suspeito do crime de prevaricação, num processo em que também estão envolvidos o antigo ministro das Infra-estruturas, João Galamba, e o proclamado melhor amigo de António Costa, Diogo Lacerda Machado. O crime do qual António Costa é suspeito envolve a aprovação do novo Regime Jurídico de Urbanização e Edificação no Conselho de Ministros do dia 19 de Outubro de 2023.
Como manda a lei, foi o Supremo Tribunal de Justiça que começou por investigar o caso, que entretanto caiu para o DCIAP. Quer isto dizer que o processo voltou para a primeira instância, perdendo o foro especial de primeiro-ministro, que atirava automaticamente o processo para o Supremo.
O caso está relacionado com a produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, Setúbal, e com o projecto de construção de um centro de dados (Data Center) na zona industrial e logística de Sines pela Start Campus.
Apesar da demissão, António Costa continua a ser apontado como uma forte possibilidade para a presidência do Conselho Europeu, no quadro das nomeações para os altos cargos institucionais na União Europeia (UE) para a próxima legislatura que terão lugar após as eleições europeias de 9 de Junho próximo.
Tribunal da Relação de Lisboa anula medidas de coacção dos arguidos da operação influencer
No dia 17 de Abril passado, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu a decisão que anula as medidas de coacção dos arguidos da Operação Influencer, incluindo Diogo Lacerda Machado, que era consultor e próximo do antigo primeiro-ministro, e Vítor Escária, que foi chefe de gabinete de António Costa, dizendo que “não vê prática de crimes”. O dois ficaram apenas sujeitos ao termo de identidade e residência.
“A 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa proferiu hoje, 17 de Abril de 2024, decisão no âmbito do processo 581/19.5TELSB-G.L1 do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, e ao qual se encontram conexos os apensos H e I tendo, em síntese, este Tribunal decidido julgar improcedente o recurso do Ministério Público e procedentes os recursos interpostos pelos arguidos”, diz o acórdão.
Em causa nestes autos estavam as medidas de coacção impostas a cinco arguidos individuais e uma arguida pessoa colectiva sendo que o Ministério Público pretendia o agravamento das mesmas e os arguidos recorrentes a sua revogação.
O Tribunal debruçou-se primeiramente sobre o âmbito e alcance da decisão salientando que o despacho de apresentação de arguidos a primeiro interrogatório era o instrumento que definia o âmbito dos poderes de conhecimento do Tribunal de primeira instância e, consequentemente, deste Tribunal pelo que quaisquer factos aditados após o primeiro interrogatório e que não foram considerados pelo Tribunal recorrido não podiam ser invocados em sede de recurso.
O Tribunal analisou todos os factos invocados no despacho de apresentação a primeiro interrogatório salientando bem que não se pode confundir um facto, enquanto acontecimento histórico, com o teor de escutas (telefónicas) ou mesmo com notícias de jornais. Desta análise resultou que nenhum dos factos adiantados se traduziam na comissão de crimes não ultrapassando o desenvolvimento das funções de cada um dos intervenientes tendo todos eles actuado no âmbito das mesmas.
O Tribunal salientou, contudo, que não existe legislação em Portugal sobre a actividade de lóbi, legislação que, a existir, evitaria muitas situações dúbias como algumas daquelas que foram apuradas nos autos.
Na verdade, o Tribunal chama a atenção para a incorrecção de se tratarem assuntos de Estado à mesa de restaurantes olvidando procedimentos e esquecendo a necessidade de se documentarem as relações havidas entre representantes de interesses particulares e os governantes no âmbito das suas funções.
Concluiu o Tribunal que os factos apurados não são, só por si, integradores de qualquer tipo criminal.
O Tribunal da Relação de Lisboa ou simplesmente Relação de Lisboa é um tribunal superior da ordem judicial do sistema judicial de Portugal, sediado em Lisboa, competente para julgar, em 2.ª instância, recursos das decisões dos tribunais de comarca que se localizam na sua área territorial de jurisdição.
(AIM)
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