Lisboa, 29 Mai (AIM) – Na curta visita que o presidente da Ucrânia efectuou esta terça-feira a Lisboa, para além do apoio militar e financeiro, Volodymyr Zelensky conseguiu de Portugal uma arma poderosa e difícil de quantificar, mas de “um enorme valor geoestratégico”.
Trata-se de forte influência que Portugal tem nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e Brasil, que pode beneficiar muito a causa ucraniana. Para além de Moçambique, fazem parte dos PALOP Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e S. Tomé e Príncipe.
Quem assim o diz é José Filipe Pinto, um Académico Correspondente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa e especialista em Relações Internacionais, citado pela CNN Portugal.
“Nós (portugueses) temos uma forte influência em países que a Ucrânia quer trazer para a sua causa”, sublinha José Filipe Pinto.
Este apoio é particularmente importante para a Ucrânia, numa altura em que o presidente ucraniano procura convencer o maior número possível de países a estar presentes na Cimeira da Paz, que vai decorrer na Suíça nos próximos dias 15 e 16 de Junho. Convencer países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa como Angola e Brasil, que já recusaram participar no encontro, é uma das prioridades de Kiev no campo diplomático e Portugal pode ter uma palavra a dizer.
O próprio primeiro-ministro português, Luís Montenegro insistiu, ao lado de Zelensky, na conferência de imprensa depois da assinatura na terça-feira do acordo de cooperação bilateral para dez anos, no papel crucial dos esforços diplomáticos portugueses.
Luís Montenegro garantiu que Portugal “continuará a fazer todos os esforços e todos os contactos a todos os níveis” para mobilizar e motivar “o maior número de países”, sublinhando o “inabalável e firme” apoio português à causa de “legítima defesa” ucraniana.
“Portugal representa uma diplomacia de influência muito grande junto ao Sul. Portugal não dispõe de nenhuma tutela em relação aos países lusófonos. Não há aqui nenhum neocolonialismo, mas existe da nossa parte uma diplomacia de influência. Nós não interferimos nas decisões destes países, mas tentamos apelar a que haja posições conjuntas”, diz José Filipe Pinto.
Mas a capacidade portuguesa de influenciar Angola e Brasil “está longe de estar garantida”, insiste o especialista. Ao mesmo tempo que países como Brasil e Angola se afastam da posição ucraniana, nações mais pequenas como São Tomé ou a Guiné-Bissau estreitam laços e cooperação com a Rússia, numa referência a recente Acordo militar entre São Tomé e a Rússia que prevê troca de informações secretas.
O acordo por “tempo indeterminado” prevê a visita de navios e aviões de guerra russos a S. Tomé e Príncipe, entre outras formas de cooperação, assunto que provocou polémica entre Portugal e S. Tomé.
Segundo José Filipe Pinto, Moçambique, que se encontra a lutar contra uma insurgência armada islâmica no norte do país (Província de Cabo Delgado), torna-se cada vez mais um potencial alvo da política externa russa, que poderá intensificar a sua cooperação militar no país, através da utilização de grupos paramilitares.
Pacote de ajuda militar
Recorde-se que o pacote de ajuda militar português prometido à Ucrânia foi muito mais reduzido do que o de outros países, nomeadamente Espanha e Bélgica, quando comparado ao valor do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Mas Portugal garante à Ucrânia algo que os outros países não podem oferecer.
Depois de uma visita em contra-relógio a três capitais europeias em dois dias, Volodymyr Zelensky recebeu várias centenas de milhões de euros, aviões de combate “F-16” e garantias de segurança.
Espanha prometeu fornecer apoio militar à Ucrânia no valor de mil milhões de euros. O compromisso está no acordo assinado na segunda-feira (27) entre o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, em Madrid.
Em Bruxelas, a Bélgica anunciou que vai atribuir um pacote de ajuda militar no valor de pelo menos 977 milhões de euros à Ucrânia no decorrer deste ano, ao abrigo do acordo assinado na terça-feira (28). O presidente ucraniano conseguiu igualmente o compromisso da Bélgica para fornecer 30 caças “F-16” nos próximos quatro anos.
Em Lisboa, onde o presidente ucraniano recebeu as promessas mais reduzidas de apoio militar e financeiro, a Ucrânia pode não ter saído de mãos a abanar, diz José Pinto.
O líder ucraniano conseguiu de Portugal uma arma poderosa e difícil de quantificar, mas de “um enorme valor geoestratégico”, referiu.
“O apoio militar e financeiro português é quase insignificante. É o elemento político e diplomático que trouxe Zelensky a Lisboa. Portugal tem um enorme valor geoestratégico, que pode beneficiar muito a causa ucraniana: nós temos uma forte influência em países que a Ucrânia quer trazer para a sua causa”, explica José Filipe Pinto.
Para o académico, Volodymyr Zelesnky sabia que não podia esperar de Portugal um pacote de apoio militar capaz de alterar significativamente a dinâmica no campo de batalha.
É de referir que Luís Montenegro, primeiro-ministro português, “ofereceu” 126 milhões de euros em apoio militar, dos quais 100 milhões já tinham sido prometidos pelo Governo de António Costa, para ajudar a Ucrânia a comprar munições de 155 mm na iniciativa da Chéquia.
Mas, para o líder ucraniano, o verdadeiro interesse estava no apoio que Lisboa pode dar no campo diplomático, que faz com que Portugal seja “mais do que um rectângulo junto ao Atlântico”.
(AIM)
DM