Eleições nos EUA: Trump ganha na previsão de 538 mas a eleição ainda é uma disputa
Domingos Mossela, da AIM, em Lisboa
Washington, EUA, 20 Out (AIM)- Os norte-americanos vão às urnas no próximo dia 5 de Novembro escolher o novo Presidente, entre Kamala Harris, a actual vice-Presidente, e Donald Trump, ex-Presidente, naquela que é considerada eleição presidencial mais renhida.
Há duas semanas, a previsão de 538 para a eleição presidencial dava à vice-presidente Kamala Harris apenas 58 em 100 chances de derrotar o ex-presidente Donald Trump a 5 de Novembro, segundo conclusões de várias sondagens, incluindo as da ABC News/Ipsos. A apenas 16 dias da eleição – a previsão dá a Trump a mínima vantagem na corrida com 52 chances em 100 da vitória.
O leitor pode ficar tentado a fazer um grande alarido sobre previsões dos pesquisadores “mudando” para Trump, mas é importante lembrar que uma chance de 52 em 100 para Trump não é tão diferente de uma chance de 58 em 100 para Harris – ambos são pouco melhores do que um “cara ou coroa” para o candidato líder.
Embora Trump tenha inegavelmente conseguido ganhar algum terreno nas últimas semanas, algumas boas pesquisas para Harris poderiam facilmente colocá-la de volta na “liderança” no dia seguinte. “Nossa caracterização geral da corrida – que é uma disputa – permanece inalterada”, sublinham os pesquisadores.
A razão pela qual a “nossa” previsão está próxima é que as sondagens estão próximas – bem dentro do intervalo em que mesmo um pequeno erro nas sondagens pode ser decisivo.
De acordo com as médias de sondagens, a margem entre Trump e Harris é de 2 pontos percentuais ou menos em todos os sete principais estados indecisos (Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin). E na média de pesquisas nacionais, Harris está à frente de Trump por apenas 2,0 pontos. Isso é mais apertado do que a margem entre Trump e o presidente Joe Biden em todos os dias da campanha de 2020, e mais apertado do que a margem entre Trump e a ex-secretária de Estado Hillary Clinton em todos os dias entre 1 de Outubro e o dia da eleição de 2016. (Devido ao preconceito do Colégio Eleitoral em relação aos republicanos, o modelo actualmente estima que Harris provavelmente precisará ganhar o voto popular nacional por 2,0 pontos para ser favorita e obter a maioria dos votos eleitorais.)
Na maior parte, as sondagens recentes de alta qualidade apenas confirmaram a proximidade da disputa. Uma pesquisa ABC News/Ipsos realizada de 4 a 8 de Outubro revelou que Harris subiu 2 pontos a nível nacional. Uma pesquisa de 1 a 10 de Outubro da Marquette University Law School, uma das mais precisas e transparentes da América, revelou que ela subiu 3 pontos.
A lista de pesquisas continua: YouGov/CBS News recentemente deu a Harris uma vantagem de 3 pontos; O Marist College deu-lhe uma vantagem de 5 pontos; Fairleigh Dickinson University uma vantagem de 3 pontos. Menos pesquisas deram a Trump uma vantagem nacional, mas houve algumas: Beacon Research/Shaw & Co. Research/Fox News encontrou Trump com uma subida de 2 pontos; Hart Research Associates/Public Opinion Strategies/NBC News colocou-o em 1.
Nas pesquisas nacionais, a disputa não só tem sido acirrada, mas também estável. Na verdade, a margem actual de 2,0 pontos de Harris nas sondagens nacionais é bastante semelhante à de há dois meses, em 18 de Agosto.
As tabelas cruzadas também quase não mudaram. Por exemplo, entre os eleitores negros e hispânicos, o apoio de Harris aumentou ou diminuiu menos de 2 pontos desde que ela entrou na corrida. É claro que esses 2 pontos podem ser decisivos, mas é notável como pouco mudou ao longo da campanha.
As pesquisas estaduais, no entanto, mostraram comparativamente mais movimento – e a maior parte contra Harris. Em comparação com seus números no início do mês, Harris perdeu terreno em todos os sete principais estados decisivos. É por isso que a chance de vitória dela, na previsão dos pesquisadores, diminuiu.
Nas eleições presidenciais norte-americanas, o candidato não ganha pontos por vencer o voto popular nacional.
Não são só as presidenciais de 5 de Novembro que prometem abalar a política norte-americana – eis outra corrida que pode decidir tudo, diz a CNN Portugal, acrescentando que “estas vão ser eleições muito, muito renhidas, e não apenas para a presidência”.
Assim, quando os norte-americanos forem às urnas no próximo dia 5 de Novembro, não vão eleger apenas o próximo Presidente dos Estados Unidos da América. Em disputa estarão também 468 assentos no Congresso – o total de 435 que compõem a Câmara dos Representantes e 33 dos 100 lugares do Senado – e os resultados dessas votações terão enormes implicações numa série de políticas federais, que vão dos impostos às nomeações para diferentes tribunais do país, passando por questões de política externa.
Muitos analistas sublinham que a política externa norte-americana tem vindo a conhecer uma queda acentuada, principalmente por conta das guerras na Ucrânia e no Médio Oriente (entre Israel e Hamas, em Gaza, e entre Israel e o Hezbollah ou Hizbollah). O Hezbollah é uma organização política e paramilitar fundamentalista islâmica xiita libanesa fundada nos anos 80 durante a Guerra Civil Libanesa por líderes religiosos alinhados ao Irão.
Especialistas em relações internacionais baseados no Porto, Norte de Portugal, e Lisboa, classificam de “hipocrisia” o posicionamento dos EUA no Médio Oriente, em que, por exemplo, defendem no Conselho de Segurança das Nações Unidas continuidade da UNIFIL (missão da ONU no Sul do Líbano), mas, ao mesmo tempo, quando Israel ataca a UNIFIL, os EUA respondem com envio de bateria antimíssil THAAD, operada por cerca de 100 soldados norte-americanos.
A Aposta de Paul Beck da Universidade Estatal do Ohio
“A minha aposta neste momento é que os republicanos vão conquistar suficientes assentos a votos no Senado para obterem a maioria, talvez por um, dois ou até três lugares”, diz à CNN Portugal Paul Beck, do departamento de Ciência Política da Universidade Estatal do Ohio, que antecipa “que os democratas vão ganhar ligeiramente mais assentos e tornar-se o partido maioritário na Câmara dos Representantes, ainda que por uma margem reduzida”.
Actualmente, os republicanos controlam a câmara baixa do Congresso e os democratas detêm uma curta maioria de assentos no Senado, com 51 contra 49, graças a um punhado de senadores independentes alinhados com o partido de Kamala Harris.
Naquelas que estão a ser definidas como as mais renhidas eleições na América desde 1860, é improvável que qualquer dos partidos conquiste um hat-trick federal, sagrando-se campeão da Casa Branca e das duas câmaras do Congresso, como aconteceu com os democratas ao leme de Barack Obama entre 2008 e 2010 e, mais recentemente, ao leme de Joe Biden entre 2020 e 2022.
Face à previsões de uma potencial vitória dos democratas na Câmara dos Representantes, e dada a provável troca num assento da Virgínia Ocidental no Senado até agora ocupado pelo democrata Joe Manchin III – cuja reforma deverá levar os republicanos a conquistar esse lugar – as atenções estão particularmente focadas num único assento do Montana que pode virar o tabuleiro do jogo na câmara alta do Congresso.
Os dois partidos reconhecem a importância do lugar a ser disputado entre o democrata Jon Tester, um agricultor de terceira geração do Montana, de 68 anos, e o republicano Tim Sheehy, um militar tornado empresário de 37 anos nascido fora do estado do norte dos EUA – e é por isso que, apesar de só representar quatro votos no Colégio Eleitoral, os dois partidos têm estado a investir muito dinheiro ali, num total que ronda os 270 milhões de dólares em publicidade de campanha.
“Tudo indica que os republicanos vão conquistar o Senado se conseguirem ganhar no Montana, o que parece provável”, diz à CNN Portugal Robert Y. Shapiro, do departamento de Ciência Política da prestigiada Universidade de Columbia. Ainda assim, adianta o especialista, “se a eleição presidencial for decisiva para qualquer dos partidos, isso dará uma hipótese igual a ambos de controlarem o Senado e a Câmara para além da presidência. Estas vão ser eleições muito, muito renhidas, e não apenas para a presidência.”
Olhos postos no Montana
Muitos residentes do Montana estão a pender para Sheehy, mesmo que a contragosto. É o caso de Wylie Gustafson, um fazendeiro e músico de 63 anos que, ao longo de várias eleições para o Senado, e apesar de o Montana ter vindo a tornar-se mais e mais republicano a cada uma delas, deu sempre o seu voto a Tester desde a primeira vitória do democrata em 2007 – mas que, este ano, diz que vai votar no candidato republicano, não sem “um pouco de culpa” porque “o Jon é um bom rapaz”, referia o eleitor ao Washington Post há alguns dias.
Houve uma altura, refere o mesmo jornal, em que o Senado tinha muitos membros eleitos como Tesler – graças a eleitores que votavam num senador de um partido apesar de votarem no candidato à presidência do partido oposto. Nos últimos anos, contudo, com o reforço das políticas identitárias e da polarização político-partidária, têm sido cada vez mais raros os casos de eleitores com voto dividido nos Estados Unidos, sendo cada vez comum um eleitor votar sempre vermelho ou azul (leia-se, Partido Republicano ou Democrata) de uma ponta à outra (leia-se, da presidência às eleições para as duas câmaras do Congresso).
É aquilo a que Shapiro se refere como votos “coattails”, um efeito bola de neve em que a popularidade na corrida à Casa Branca se traduz em mais votos no partido do vencedor presidencial nas corridas ao Senado e à Câmara dos Representantes, o que este ano promete reconfigurar o equilíbrio de poderes nos EUA.
Num ano de eleições “muito, muito renhidas” também para o Congresso, o analista de Columbia assume que “a eleição para a Câmara dos Representantes será à tangente”. Os democratas, adianta Shapiro, “parecem estar em rota para conquistar assentos suficientes” para obterem a maioria, fruto do que ele e outros especialistas dizem ser “a total desordem entre os republicanos na câmara baixa”. Mas é aí que os ditos “coattails” e, concretamente, a disputa senatorial entre Tesler e Sheehy, podem contribuir para surpresas.
Com Donald Trump a registar no Montana, de acordo com várias sondagens, uma vantagem de entre 17 e 18 pontos percentuais sobre Kamala Harris na corrida à Casa Branca, muitos eleitores do estado dizem sentir-se desconfortáveis com políticas seguidas pelos democratas, como o facto de terem votado pela destituição do antigo presidente nos dois processos de impeachment que tiveram lugar no Congresso desde 2016 – ou, no caso de Wylie Gustafson, o facto de Tester ter votado a favor de um pacote de mil milhões de dólares para adaptar infraestruturas às alterações climáticas, que foi apresentado pelos democratas e negociado com os republicanos.
Em tempos um estado roxo, pela enorme divisão de votos entre os dois grandes partidos nas diferentes eleições, o Montana vai mostrar nesta ida às urnas se se tornou definitiva e maioritariamente republicano, desde que o assento de Tesler foi a votos pela última vez, em 2018, a meio do primeiro mandato de Trump – quando o senador democrata venceu com uma margem de 3,5 pontos percentuais.
Uma bala perdida no tribalismo
Segundo os mais recentes inquéritos de opinião, Sheehy, um ex-SEAL da Marinha norte-americana tornado milionário que se mudou para o Montana há 10 anos, onde fundou uma empresa de combate aéreo a incêndios, detém uma vantagem de sete pontos percentuais sobre Jon Tesler. E com o Montana em risco, o Partido Democrata tem estado a investir milhões de dólares em campanhas a assentos do Texas e da Florida no Senado, na esperança de recuperar assentos actualmente ocupados por republicanos, para compensar a provável perda do senador do Montana e manter a maioria na câmara alta.
Noutra altura, a perda daquele assento não seria assim tão certa tendo em conta as incongruências na carreira de Sheehy, inicialmente noticiadas por jornais do Montana e abordadas numa peça publicada pelo New York Times na sexta-feira, que põem em causa uma história de guerra que o republicano tem usado para conquistar a admiração – e os potenciais votos – dos eleitores do estado.
(AIM)
ABC News/CNN Portugal/DM