
Lixeira de Hulene, na cidade de Maputo. Foto arquivo
Jorge Dick, AIM, em Guava (Maputo)
Maputo, 20 Set (AIM) – A antiga plantação de eucaliptos, denominada FAO, no triângulo formado pelos bairros Guava, Kumbeza e Magoanine B, este último mais conhecido por CMC, a cerca de 17 quilómetros do centro da cidade de Maputo, capital moçambicana, deixou de sê-lo, ao ceder lugar à uma lixeira, que está a ameaçar a degradação ambiental e à saúde de milhares de famílias.
Em causa está a acumulação desenfreada de todo o tipo de imundícies que, de tempo em tempo, vão contaminando a área, deixando assim os moradores a enfrentar níveis de poluição.
Aliás, como a poluição não tem fronteiras, significa que os contíguos bairros da Guava, Kumbeza e Magoanine B também sofrem dos efeitos destes despojos, o que reflecte a má gestão ambiental.
A AIM escalou aquele local, não mais de um quilómetro da Estrada Circular, onde pôde apurar que os despojos são atirados a volta de um fosso da antiga mina de areia vermelha da construtora China Roads and Bridges Corporation (CRBC).
Trata-se de acúmulos de diversos resíduos, como plásticos, papelões, papéis, garrafas de plástico e de vidro, restos de comida, vidros, peças de roupa usada, esteiras, colchões, redes mosquiteiras, fraldas e metais.
Além desses materiais, assiste-se também ao abate indiscriminado de eucaliptos, com consequências graves para a preservação das espécies e dos solos. Outrossim, a zona, especialmente para quem se dirige a Kumbeza, sofre de erosão dos solos.
A partir da Estrada Circular também se pode observar um véu espesso de fumaça que, para quem estiver já nas imediações da vala, aquela emanação parece estar diante a um ‘morador’ a dar as boas-vindas ao lixo e um adeus aos eucaliptos.
Mais para o interior da plantação, que praticamente já se esfumou, depara-se com algumas árvores a murchar por queimadas que se fazem e outras abatidas indiscriminadamente para darem espaço a habitações.
Em termos ambientais, a situação apresenta-se tão crítica, pois a floresta está, de facto, a degradar-se. O pior de tudo é que o lixo nem sequer é removido. É apenas incinerado por grupos de apanhadores de lixo. A fumaça também pode contribuir para o aumento dos níveis de poluição.
Restos de comidas e animais mortos, como cães e gatos, também são atirados para aquele fosso.
Já do lado do bairro da Guava, há montões de lixo que são atirados para a mina da areia vermelha.
A proliferação desses resíduos constitui um atentado à saúde não somente dos residentes da FAO, mas como também a dos contíguos bairros da Guava, Kumbeza e Magoanine B, os primeiros dois sob a jurisdição do distrito municipal da Marracuene,
O cheiro nauseabundo que se exala às alturas sente-se de longe. Cães e aves, entre cotovias, rolas, garças brancas, pombos e corvos mergulham-se neste cenário, esgravatando o chão em busca de alimentos.
Enxames de moscas, em festa, celebram este cenário, denunciando produtos orgânicos em decomposição. O perigo imediato que se apresenta é de as moscas e aves espalharem para as residências mais próximas agentes causadores de doença, como bactérias ou vírus.
A fumaça, que para além de constituir um perigo à saúde pública, pode também provocar danos à flora e à fauna.
Como se pode deparar, a vala tornou-se o destino destes poluentes que, atirados à sua sorte, vão tomando de assalto toda a área, outrora um dos pulmões da cidade.
O lixo vai assim decidindo o futuro daquele fosso, com vozes a sugerir que deveria ser o próximo aterro destes poluentes.
Grupos de catadores de lixo, na sua maioria jovens de ambos os sexos, para lá acorrem logo nas primeiras horas do dia, e reúnem os materiais ainda em condições a serem usados ou revendidos.
Cada catador de lixo tem a sua própria tenda feita de redes mosquiteiras já gastas ou papelões em desuso. Eles coleccionam esses materiais para as suas mochilas de panos ou de roupa de segunda mão, o que é útil para a sua renda.
Recolhem alguns destes materiais que posteriormente são revendidos a empresas de reciclagem.
“Estou há bastante tempo neste local, não tenho ocupação. Venho aqui para a busca de sobrevivência”, desabafou um jovem catador, antevendo que o pior está por vir, porque “os nossos candidatos aos destinos deste país nem sequer têm uma política consistente sobre o papel do catador. Somos uma classe desconhecida, mas que desempenhamos papel preponderante na preservação ambiental”.
Por isso, segundo este jovem, “esta cova, uma vez que já não é mais usada, devia ser transformada em lixeira, pois o aterro de Hulene já deu o máximo”.
Nora David Manjate, afirmou à AIM que aquele fosso devia continuar a servir como aterro do lixo, pois são muitas famílias que acorrem ao local para a busca de sobrevivência.
Mãe de quatro filhos, Manjate prometeu que, caso os políticos apareçam naquela zona, no âmbito da caça ao voto, vai sugerir que contemplem o local como o futuro aterro do lixo que se produz naqueles bairros.
Outros dois coleccionadores destes materiais sólidos negaram tecer qualquer consideração, limitando-se a dizer que “estamos aqui a lutar para alimentar as nossas crianças”.
Algumas imundícies chegam ao local através de viaturas que percorrem vias arenosas. Portanto, enquanto a área dá boas vindas ao lixo, despede-se também dos eucaliptos, uma convivência que acaba ameaçando o equilíbrio dos ecossistemas.
Este problema, que sugere efeitos sobre as futuras gerações, não está para uma mão leve dos que detêm pás e picaretas.
(AIM)
JD/dt