Venâncio Mondlane, em conferência de imprensa. Foto de Carlos Júnior
Maputo, 22 Jul (AIM) – O antigo candidato presidencial do partido da oposição Podemos, Venâncio Mondlane, anunciou nesta terça-feira (22), em conferência de imprensa realizada em Maputo, que foi formalmente acusado pelo Ministério Público pela prática de cinco crimes, no âmbito das manifestações que se seguiram às eleições gerais de 9 de Outubro de 2024.
Com esta formalização, chega ao fim a fase de instrução preparatória, seguindo-se agora o julgamento. Mondlane, que foi derrotado por Daniel Chapo, candidato presidencial da Frelimo, partido no poder, afirma que isso permitirá à sua equipa jurídica e ao público em geral o acesso aos fundamentos e provas que sustentam a acusação.
Os crimes imputados ao político são: apologia pública ao crime (nos termos do artigo 346, número 1, do Código Penal), incitamento à desobediência colectiva (artigo 396), instigação pública a um crime (artigo 345, número 1), instigação ao terrorismo (artigo 13 da Lei n.º 15/2023, conjugado com o artigo 11-A da Lei n.º 4/2024) e incitamento ao terrorismo (artigo 14, número 1 da mesma Lei n.º 15/2023, também conjugado com o artigo 11-A).
“Vejam só, terrorismo”, afirmou Mondlane com ironia, considerando que as acusações são desproporcionadas e têm motivação política. Para o líder da oposição, trata-se de uma tentativa de silenciar as vozes contrárias ao poder estabelecido.
Mondlane indicou que só divulgará o conteúdo integral da acusação após a sua análise pela equipa de advogados, comprometendo-se a torná-la pública nas 48 horas seguintes.
As acusações surgem num contexto de contestação dos resultados eleitorais. Após a proclamação da vitória do candidato Daniel Chapo, Mondlane rejeitou os resultados, alegando fraude eleitoral. Abandonou o país por cerca de três meses e regressou posteriormente para participar em dois encontros de diálogo político: o primeiro a 23 de Março e o segundo a 20 de Maio de 2025.
De acordo com o opositor, destes encontros resultaram seis pontos de entendimento: cessação da violência física e verbal entre manifestantes e forças de defesa e segurança; acesso gratuito a cuidados médicos para os cerca de dois mil feridos nas manifestações; compensações financeiras às famílias das vítimas mortais.
Os restantes pontos incluem a libertação dos mais de quatro mil detidos no contexto dos protestos; a legalização do partido político liderado por Mondlane; e a integração de quadros do seu projecto político na Comissão Técnica para o Diálogo Nacional Inclusivo.
Refira-se que as autoridades afirmam que a violência culminou com a morte de mais de 300 pessoas, destruição de bens e infra-estruturas. Tambem há registo de perdas superiores a 500 milhões de dólares segundo a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA).
No entanto, Mondlane lamenta que apenas o primeiro ponto tenha sido parcialmente implementado. “As manifestações cessaram, mas o Estado não cumpriu a sua parte do acordo”, afirmou.
Criticou ainda o Presidente da República, por ter declarado publicamente que “não existe nenhum acordo conveniado”, o que, segundo Mondlane, contraria o espírito de reconciliação nacional.
Durante a conferência de imprensa, Mondlane denunciou alegadas perseguições políticas e violações graves dos direitos humanos contra membros do seu movimento. Referiu que 45 pessoas terão sido assassinadas, sendo que oito corpos foram supostamente encontrados numa vala comum na localidade de Gandali, distrito de Macanga, província de Tete.
As denúncias foram submetidas à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério do Interior, mas, segundo o político, não obtiveram qualquer resposta até à data.
Mondlane relatou também ter sido interrogado em duas ocasiões pela Procuradoria-Geral. O primeiro interrogatório teve lugar a 11 de Março e durou cerca de dez horas, sendo-lhe aplicado um Termo de Identidade e Residência (TIR). O segundo ocorreu a 27 de Junho, com duração de duas horas.
Mondlane afirma que, em nenhum dos interrogatórios, lhe foi comunicado o conteúdo das acusações, o que considera uma violação básica do processo legal. No segundo interrogatório, um dos seus advogados foi expulso da sala por contestar a legalidade do procedimento, facto que considera como sendo uma tentativa de forçar uma confissão.
O político afirma ainda ter sido alvo de intimidações por parte das forças de segurança. À saída da Procuradoria, foi escoltado por um contingente policial fortemente armado, cenário que descreveu como “próprio de uma zona de guerra”.
Relatou igualmente que, no regresso de uma viagem à Europa, foi recebido no Aeroporto Internacional de Mavalane por um aparato policial desproporcional, que dispersou apoiantes com recurso a gás lacrimogéneo.
Para Mondlane, o processo judicial de que é alvo está directamente ligado à denúncia de uma “fraude eleitoral monumental”, alegadamente confirmada por observadores internacionais.
O opositor garantiu que continuará a lutar por justiça e democracia em Moçambique. Afirmou estar a mobilizar advogados nacionais e internacionais para montar a sua defesa, e prometeu apresentar publicamente, nos próximos dias, uma análise técnica detalhada da acusação.
“Estou a prestar um serviço à pátria ao denunciar esta fraude e o uso instrumental da justiça para fins políticos”, declarou. Acrescentou que continuará a resistir, mesmo sob repressão, em prol de um Moçambique democrático, digno e livre da influência do crime organizado, que, segundo disse, já penetrou estruturas do Estado.
(AIM)
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