
Inundações urbanas
Por Samuel Comé, da AIM
Maputo, 10 Mai (AIM) – A cidade de Maputo, capital moçambicana, enfrenta inúmeros desafios com as inundações urbanas que, na cada época chuvosa, afectam com maior severidade os bairros suburbanos, deixando os moradores em condições extremamente deploráveis.
Por exemplo, no interior do bairro Hulene “A”, em Maputo, a AIM encontrou Jorge Raul que, com recursos a dois baldes, tentava escoar grandes quantidades de água acumulada nas últimas chuvas, ocorridas há quase uma semana.
Raul conta que é um exercício ao qual está sujeito sempre que chove e, para já, abandonar o bairro parece ser a solução mais prática, apesar de reconhecer as dificuldades que irá enfrentar para deixar tudo para trás e recomeçar a vida em um outro lugar.
“Assim, estou a lutar para tirar esta água que inundou a minha casa, mas em poucos dias pode voltar a chover e terei que voltar para a mesma operação”, disse enquanto leva para fora dois baldes cheios de água. “É triste”.
Dois dos quatros filhos, explica, passaram a viver com o seu irmão mais velho, como forma de prevenir doenças que poderiam contrair no contacto com as águas estagnadas nos arredores da sua casa. “O nível de água nunca diminui. Aumenta cada vez que chove”.
A rua para chegar à casa de Raul está também submersa e recorre-se ao uso de pedregulhos para evitar, à medida que possível, passar pela água. “Nós, aqui, estamos submersos”.
Logo defronte à sua casa, Raul recorda que havia um campo comunitário onde, de volta ao tempo, vê o seu filho, agora com 19 anos, a jogar futebol. Como efeito das mudanças climáticas, o campo virou uma espécie de campo para a prática de piscicultura.
“Eu lamento que tenhamos que viver assim na água como se fossemos peixes”.
No bairro Hulene “A” os relatos de casos dramáticos continuam, à medida que a reportagem da AIM vai visitando as famílias.
Aida Lúcio vive com duas filhas de 15 e 12 anos, numa casa com quintal submerso pelas águas da chuva e já não há terra seca para caminhar. “Lembro-me que isto começou com uma forte chuva no ano passado. Daí, esse bairro nunca mais esteve seco”, diz a mulher de 35 anos.
Quando a AIM visitou a sua casa, ela e sua filha, de 12 anos, estavam em recuperação depois de terem sido afectadas por malária.
Ela lamenta a falta de, pelo menos, redes mosquiteiras que, acredita, seriam essenciais para evitar novos surtos da malária. Outro problema é visto no sistema de tubagem da água potável que está submerso nas águas estagnadas e sai das torneiras já contaminada.
Bem ao lado da sua casa, sua vizinha abandonou a casa e foi viver de aluguer, num bairro seguro. “Se eu tivesse condições, também sairia daqui, por aqui estamos em perigo de vida”, disse.
Cada alerta de chuvas fortes que é anunciado pelo serviço meteorológico, através de mensagens telefónicas, causa muita apreensão aos residentes de Hulene “A”.
Contudo, enquanto a ajuda não chega, as famílias não ficam de braços cruzados. Há iniciativas locais para a abertura de pequenas valetas para drenar as águas, apesar de ser quase insignificante para a dimensão do problema.
Obrigados a deixar tudo atrás
No bairro Magoanine, a situação é pior, com águas da chuva estagnadas nas casas há mais de dois anos.
As famílias foram retiradas das suas residências e abrigadas em centros de acolhimento, por onde surgem relatos de falta de condições para higiene colectiva causado pela falta de casas de banhos condignas.
Emília Cardoso diz que saiu da sua casa apenas com alguns cobertores nas mãos e toda sua mobília ficou para trás, quando numa noite, há dois anos, viu sua casa completamente invadida pelas águas das chuvas.
Antes disso, diz que costumava passar as tardes de calor intenso, em tempos de verão, debaixo de uma árvore frondosa, no quintal da sua casa, mas teve que deixar tudo para trás para viver em um centro de acolhimento com cerca de 100 pessoas.
Com 51 anos de idade, Cardoso conta que seus filhos saíram para alugar uma casa nas redondezas, mas ela não se juntou a eles porque o tamanho da casa não é favorável – é uma casa tipo 1.
No centro de acolhimento os dormitórios são divididos em género e idade. Há relatos de que os alimentos não chegam em quantidade suficiente, uma reclamação sobre a qual o comité local de gestão de desastres garantiu, na altura, que poderá ser regularizada brevemente.
Soluções paliativas
Enquanto as comunidades dos bairros que sofrem de inundações urbanas pedem acções de vulto como a criação de valas de drenagem com grande capacidade para o escoamento das águas da chuva, o município de Maputo colocou, no início deste ano, moto bombas para escoar as águas.
Na altura, o PCA da empresa municipal de saneamento, Borges da Silva, disse que, num período de 30 dias, boa parte das famílias poderá voltar às suas casas, porque as águas já terão sido escoadas através de um sistema de tubagem que vai drenar num rio que está nas proximidades.
“Nós vamos bombear as águas, e criar uma bacia de retenção das águas, provavelmente, num período de 30 dias, haverá condições para que as famílias voltem às suas casas”, disse.
A previsão era de que, dias 30 depois, a motobomba pudesse ser transferida para Hulene “A”.
Para Carlos Serra Jr., presidente da Repensar, uma ONG para a protecção do meio ambiente, essas medidas são apenas paliativas, pois não resolvem o real problema. A solução, diz a fonte, é parar com a atribuição de licenças em zonas impróprias à construção.
“O real problema desses bairros é que as autoridades municipais foram atribuindo licenças em zonas em que não se devia construir e isso bloqueou os acessos naturais da água”, disse.
“Maputo precisa urgentemente de uma protecção ambiental muito rigorosa e todos nós temos que intervir para corrigir os muitos erros que foram cometidos ao longo da história”, disse ele.
De Janeiro a esta parte Moçambique foi atingido por três ciclones tropicais, nomeadamente o Chido, Dikeledi e Jude, que deixaram para trás um rasto de morte e destruição, para além de milhares de pessoas deslocadas, num claro impacto das mudanças climáticas sobre a vida dos moçambicanos.
Só na cidade de Maputo, cerca de 76 mil pessoas, em mais de 30 bairros, poderão sofrer por inundações urbanas, disse o Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres (INGD).
A garantia de apoio a essas famílias depende grande parte da ajuda internacional. O plano de contingência do INGD para a presente última época chuvosa indicava para um défice de 9 mil milhões de meticais, no universo de 11 mil milhões necessários para garantir assistência humanitária.
Em previsões, o Relatório do Banco Mundial sobre Clima e Desenvolvimento para Moçambique indica que o impacto das mudanças climáticas poderá levar até 1,6 milhões de pessoas à pobreza até 2050.
Paralelamente, as previsões indicam que a situação pode piorar por conta do fenómeno climático La Niña, que será caracterizado pelo aumento do nível de precipitação ao longo desta época chuvosa. Ao mesmo tempo, projecções do ministério de economia, apontam que este efeito pode tirar 0,7 pontos percentuais ao crescimento da economia de Moçambique este ano.
(AIM)
Sc/sg