Ambiente de negócios na CPLP "prejudicado por burocracia, corrupção e elevadas taxas de juros" - Murade Murargy
Domingos Mossela, da AIM, em Lisboa
Lisboa, 06 Jun (AIM)- O ex-Secretário Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o moçambicano Murade Murargy, diz que o ambiente de negócios propício para a actuação da classe empresarial da CPLP “é prejudicado por uma burocracia que engole tempo e energias, por taxas de juros elevadas, pela corrupção que transforma processos simples em labirintos sinuosos e com portagens intermináveis”.
Segundo Murargy, acresce-se a estes obstáculos, os “egoísmos nacionais, ausência de um espírito e alma panafricanista, uma mentalidade virada sempre para as antigas potências coloniais, pois recusamos construir e desenvolver uma cooperação intra-africana e Sul-Sul, numa relação mutuamente vantajosa”.
Por fim, o diplomata fala da “escassez de capital humano qualificado, a fraca cultura de práticas empresariais e uma justiça inoperante continuam sendo os grandes entraves a esse ambiente favorável” de negócios.
O ponto de vista de Murade Murargy vem inserido na sua intervenção no I Fórum do Pilar Económico e Empresarial da CPLP que decorreu na capital portuguesa, nos dias 04 e 05 de Junho corrente, cuja cópia a AIM, em Lisboa, teve acesso. Lisboa acolhe a sede do Secretariado Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
O evento contou com a presença da Presidente da Confederação Empresarial da CPLP, Nelma Fernandes, que organizou o evento, dos Vice-Presidentes da Confederação, Membros do Conselho Consultivo da CE-CPLP, entre outros convidados.
O I Fórum do Pilar Económico e Empresarial da CPLP, segundo Murargy, trata-se de um tema que “me é bastante caro, na medida em que a minha carreira de Embaixador de Moçambique, em diversos países, foi orientada e pautada sempre pela diplomacia económica e empresarial”.
“Este mesmo sentimento comunguei-o com o primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, porque éramos norteados pelos mesmos sentimentos e ideais de uma Comunidade mais próxima dos cidadãos, uma CPLP mais proactiva na criação do bem-estar económico e social para os seus povos”, acrescenta o diplomata moçambicano.
Segundo ele, foi no 1º Fórum empresarial que teve lugar em Díli, em 2014, onde “lançámos as bases da vertente económica e empresarial. O entusiasmo de Timor-Leste por uma nova visão, uma nova viragem nos rumos da CPLP, na redefinição dos seus objectivos futuros encorajou-nos a prosseguir e a atribuirmos mais substância à nossa organização. Timor-Leste seria a ponte necessária para a expansão dos negócios dos nossos países para outras regiões do mundo, com uma classe empresarial altamente dinâmica e pujante. Assim, a CPLP estaria presente, em termos económicos, em quatro continentes”.
A Presidência de Timor-Leste, de acordo com Murargy, para além do cunho económico e empresarial que imprimiu “à nossa Comunidade, abriu um espaço para um maior envolvimento da sociedade civil que se via marginalizada dos destinos da mesma”.
A fonte recorda que a Declaração Constitutiva da nossa Organização foi muito clara nessa matéria. “Todavia, os nossos governos ignoraram este desiderato dos nossos Chefes de Estado e de Governo privilegiando apenas a promoção e a valorização da língua portuguesa. Para muitos dos nossos cidadãos, a CPLP deveria ser mais do que isso. Ela vai para além da cooperação na língua comum já por si enraizada nos nossos países”.
Os povos, adianta o diplomata, não se alimentam somente da língua. A língua tem o seu valor inquestionável. Mas “tínhamos que avançar para outros domínios, usando a própria língua nas negociações e conclusão de acordos, protocolos e outros tipos de contratos comerciais entre os nossos agentes económicos. Para a difusão e promoção da língua portuguesa temos o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP). A nossa abordagem não vingou, pois, se julgou que a natureza intergovernamental da organização não devia ser posta em causa”.
“Registamos hoje apenas uma ténue mudança de atitude em relação a essa percepção, apesar da presidência angolana, nos dois anos do seu mandato, ter dado uma grande mudança nos objectivos da organização, com a inclusão da vertente económica e empresarial. A publicação do Prof. Luís Reto, sobre o valor económico da língua portuguesa, veio a abrir um pouco as mentes dos renitentes a uma nova visão da organização, pois a língua portuguesa não era adversa a outras vertentes na sua evolução qualitativa”, enfatizou.
Murade Murargy recorda que “temos vindo a participar em várias Cimeiras e Fórum de Negócios, durante as quais, com muito entusiasmo, nos vangloriamos das riquezas incalculáveis do nosso solo e subsolo, onde repousam, ainda por explorar, minerais estratégicos, gás e petróleo. Exaltamos também o nosso potencial pela riqueza dos nossos mares e oceanos. Pomos, em evidência, o nosso potencial, incluindo o turismo e a pesca”.
Os “nossos países” possuem riqueza em matérias-primas que vão todas em bruto abastecer as indústrias do primeiro mundo e depois exportados para os nossos países como produtos acabados, muitas com a participação de mão-de-obra “dos nossos compatriotas imigrantes”, diz o diplomata moçambicano.
Em seguida, Murargy questiona: “Mas então, e nós o que fazemos? Impávidos e serenos vamos assistindo ao processo de industrialização dos nossos países como uma miragem”.
“Quais são as nossas estratégias nacionais e comunitárias para revertermos esta situação e desenvolvermos os nossos países? Os líderes que conduziram com valentia e determinação a conquista das nossas independências jamais se contentaram apenas com a independência política. Faltava-lhes conquistar a económica que nos permitiria a utilização dos nossos recursos naturais ao serviço dos nossos respectivos povos”, diz ele.
Falta de formação de mão-de-obra deve preocupar
Neste capítulo, Murargy diz que o que “nos deve preocupar é precisamente a falta de Formação de Mão de Obra qualificada, que passa por uma educação de qualidade a todos os níveis. A educação pode não resolver todos os problemas, mas nenhum deles se resolve sem a educação”, enfatiza.
“A educação é um factor estratégico de desenvolvimento económico, social e político pois ela é uma ferramenta para os seus cidadãos no domínio da ciência e da tecnologia, nesta nova era dominada pela inteligência artificial, cujos contornos desconhecemos ainda e que certamente vai desafiar o lugar do homem no processo do desenvolvimento, criatividade e inovação”, sublinha o embaixador.
As opções de políticas de desenvolvimento regional e multilateral passam indubitavelmente pelo reconhecimento da importância do HOMEM, como produtor do conhecimento científico, como motor da mudança e transformação social.
“Temos de reconhecer que as sociedades contemporâneas que alcançaram estados de desenvolvimento assentes na economia do conhecimento”, como são os casos do Japão, Singapura, Malásia, Indonésia e outros “tigres asiáticos”, deram “saltos qualitativos nos seus processos de desenvolvimento, como resultado na forte aposta que fizeram na qualificação dos recursos humanos, na investigação fundamental e aplicada e na inovação tecnológica. Inspiremo-nos sempre nos ideais e lições de como Lee Kuan Yew desenvolveu Singapura, sem recursos naturais, e de Mahatir, na sua teoria de win-win (ganhos mútuos) na Malásia”, diz ele.
Para o diplomata, existem áreas económicas em forte expansão nos “nossos países, como o turismo, a energia, a agricultura, a pesca, mas com grandes carências de recursos humanos altamente qualificados”.
O desenvolvimento faz-se com pessoas, com um homem preparado e desenvolvido.
“Ao abordarmos com os nossos governos a criação de um ambiente de negócios, favorável à inserção do nosso empresariado, “devemos também avaliar com os empresários a possibilidade da sua participação nesta vertente de formação do capital humano”, adianta.
Murade Murargy diz que quando era Secretário Executivo da CPLP, “tive a ocasião de manifestar esta minha preocupação de como podemos criar um ERASMUS para a CPLP, co-financiado pelo nosso empresariado e pelos nossos governos”.
“Estamos conscientes de que a nossa classe empresarial é ainda emergente, que necessita de ser preparada para enfrentar os desafios do desenvolvimento dos seus respectivos países. Na Comunidade dos Países da Língua Portuguesa, existem alguns membros que possuem já uma classe empresarial mais desenvolvida, contrariamente aos outros. Por isso, a urgência de INCUBADORAS DE EMPRESAS que existem já em alguns dos países membros que podem transmitir essa experiência aos outros”, destacou a fonte.
PALOP inseridos em comunidades económicas regionais
Murargy diz na sua apresentação que os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) estão inseridos em comunidades de integração económica regionais, com um forte potencial de expansão. Fazem parte dos PALOP Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe.
No caso da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), segundo o diplomata, onde estão integrados Moçambique e Angola, tem dado passos bastante consideráveis no desenvolvimento de infra-estruturas, muitas vezes prejudicados pela instabilidade política e de segurança, limitando e enfraquecendo as “nossas capacidades para implementar projectos nas aéreas da sua responsabilidade, no contexto da integração económica da África Austral”.
A SADC é um potencial e importante parceiro para a CPLP, onde Angola e Moçambique são membros com bastante peso económico e político.
A Guiné Equatorial, membro altamente comprometido com a sua participação activa na CPLP, é também membro da Comunidade Económica dos Estados da África Central. “É o primeiro país da nossa Comunidade que está a promover o pilar económico e está muito focalizado em projectos para a diversificação económica, altamente dependente do petróleo e gás. Com o apoio da Confederação Empresarial da CPLP e outros parceiros, a Guiné Equatorial elaborou um conjunto de projectos para criar a Zona Económica e Industrial, em diversos sectores e respectiva transformação e certificação. Estes projectos estão sendo apresentados a potenciais financiadores. Apraz-nos constatar que já existem interessados”, diz Murargy.
“Em jeito de conclusão desta minha intervenção, quero realçar a importância da pertença dos Estados Membros da CPLP a diversas organizações regionais, pois comportam um vasto conjunto de oportunidades para a nossa Comunidade. Isto, se soubermos fazer desta Comunidade, uma organização que, simultaneamente, seja complementar nos esforços de integração regional de cada um dos nossos Estados Membros e um veículo de interligação entre as diversas comunidades regionais, potenciando a realização das suas políticas e acções de forma sinérgica, com as medidas adoptadas pela CPLP,.
(AIM)
DM
