
Por Samuel Comé, da AIM
Maputo, 04 Nov (AIM) – As paredes do Grande Hotel, outrora glorioso e um dos mais luxuosos de África, erguido na cidade da Beira, província de Sofala, centro de Moçambique, abrigam cerca de quatro mil pessoas que tomaram-no de assalto mas que, hoje em dia, vivem numa situação marcada pela extrema pobreza.
Erguido na zona residencial da Ponta Gea, quase junto à costa do Oceano Índico, o Grande Hotel, com cerca de 130 quartos, na altura, foi considerado o maior de África, por volta das décadas 50 e 60, pela sua capacidade instalada de acolher cerca de 700 pessoas.
Actualmente em escombros, as paredes do Grande Hotel preservam, até hoje, a estrutura arquitectónica de uma construção no estilo “Art Déco” na década de 1950.
Sua inauguração teve lugar por volta de 1955 e, para além dos diversos e majestosos compartimentos que o compunham, o Grande Hotel contava com uma piscina de dimensões olímpicas e foi projectado para emprestar à cidade da Beira, na altura, em vias de modernização, um ambiente acolhedor e à moda europeia.
A Beira, elevada à categoria de cidade em 1907, precisava de um plano de urbanização e capitalização, mercê do privilégio de ser uma cidade costeira. Daí, surgiu o plano de urbanização da cidade que incluía, entre outros, o Grande Hotel, projectado e aprovado pela coroa portuguesa por volta de 1947, com um propósito de inclusão que devia acolher todas as raças, desde que tivessem hábitos europeus.
Volvido cerca de meio século, desde o abandono do hotel, entre os anos 1974 e 1975 , o que de lá resta é um edifício já em escombros, mas que acolhe, actualmente, cerca de quatro mil pessoas que, provenientes de diversos pontos do país, encontram nele um centro de abrigo.
A AIM fez uma visita àquela infraestrutura e, in loco, ouviu declarações e acompanhou o dia-a-dia das pessoas que, sendo beirenses ou não, vivem naquele local.
Álvaro Manuel, de 36 anos, nasceu e cresceu na cidade costeira de Quelimane, capital da província central da Zambézia, mas há sete anos que se radicou na Beira. O seu abrigo são as paredes do Grande Hotel.
Manuel, forte e de postura robusta, diz que passa o dia no mercado Maquinino, há alguns quilómetros do Grande Hotel, onde carrega e/ou descarrega uma carga aqui e outra acolá, na sua maioria produtos alimentares cultivados no planalto de Chimoio, província central de Manica, e que tem a Beira um dos centros comerciais.
“Nós, aqui, vivemos à maneira. O pouco que conseguimos tentamos economizar o máximo possivel”, disse Manuel, que tem uma família composta por dois filhos menores.
Acrescentou que o seu anseio é sair daquele lugar e erguer uma casa própria que lhe proporcionasse condições de vida condignas.
“Olha, se nós tivéssemos condições favoráveis, eu já não estaria aqui neste lugar”, sublinhou.
Quem também está na lista dos que tomaram o Grande Hotel desde o início da sua ocupação, por volta do ano de 1992, com o fim da guerra civil dos 16 anos em Moçambique, é Amélia da Graça que, sendo viúva e mãe de três menores, diz que a busca de habitação melhor dificilmente passa pela sua cabeça.
“Nossa prioridade é pensar no que dar às crianças. Hoje, por exemplo, não sei o que vou cozinhar”, disse, sublinhando, porém, que este é um martírio de que sempre consegue vencer, ao fim de muito esforço.
Da Graça, com 42 anos de idade, é uma mulher cuja pobreza deixou-a com marcas indeléveis.
Sob condições precárias ou não, a vida para as crianças parece correr normalmente.
Pelos corredores estreitos e mal iluminados, vozes de crianças ecoam no espaço vazio movidas pelas diversões diárias.
Algumas nasceram naquele lugar e outras, quis o destino, que lá fossem viver.
Contudo, o Grande Hotel, que durante a dominação colonial portuguesa foi um lugar exclusivo para a burguesia dominante, hoje é conotado, entre outras, como um palco de bandidagem e prostituição, embora quem por la já passou, nos tempos idos, não consiga reconhecer o estado em que se encontra actualmente.
Aliás, segundo apurou a AIM, ainda há alguns portugueses que ainda vão à Beira para rever aquela infraestrutura arquitectónica que dela não sobra muito senão um mar de lembranças.
Sobre o futuro do Grande Hotel, o então edil da Beira, o malogrado Davis Simango, chegou a propor a sua destruição, por considerar que é uma construção que já não dá para manter. Aparentemente, a ideia ficou estagnada.
A cidade da Beira é uma cidade que, hoje em dia, procura recuperar dos efeitos dos desastres naturais que se abateram sobre a costa, com destaque para o ciclone Idai.
Enquanto isso, a vida corre. Afinal, viver no Grande Hotel é viver no centro da cidade e num dos bairros mais atractivos da urbe.
(AIM)
SC/mz