
Presidente dos Estados Unidos com a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen
Lisboa, 16 Abr (AIM)- A presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, declarou que “o Ocidente, tal como o conhecíamos, já não existe”, numa altura em que as relações com os Estados Unidos da América se deterioram rapidamente sob a administração de Donald Trump, o que obrigou a Europa a procurar aliados e parceiros noutras paragens.
Ursula von der Leyen falava numa entrevista ao jornal alemão Zeit, publicada na terça-feira (15) e citado pela “Euronews”.
Na sequência das tarifas aduaneiras impostas por Trump, que Bruxelas classificou como “não credíveis nem justificadas”, a presidente da Comissão Europeia tem estado a trabalhar ao telefone com representantes da Noruega, Islândia, Canadá, Nova Zelândia, Singapura e Emirados Árabes
Unidos. Von der Leyen também falou com o primeiro-ministro chinês Li Qiang, alimentando a especulação de um iminente desanuviamento das relações entre a UE e a China, após anos de tensões.
O mundo tornou-se um globo, também em termos geopolíticos, e actualmente as nossas redes de amizade abrangem todo o globo, como se pode ver no debate sobre os direitos aduaneiros”, afirmou von der Leyen.
“Neste momento, poderia ter estas conversas 24 horas por dia. Todos pedem mais comércio com a Europa – e não se trata apenas de laços económicos. É também sobre o estabelecimento de regras comuns e da previsibilidade. A Europa é conhecida pela sua previsibilidade e fiabilidade, que começa novamente a ser vista como algo muito valioso”, afirmou.
“Por um lado, isto é muito gratificante; por outro lado, há também, naturalmente, uma enorme responsabilidade que temos de assumir”.
Descrevendo-se como uma “grande amiga” dos Estados Unidos e uma “atlantista convicta”, von der Leyen insistiu que o vínculo de longa data entre os dois lados do Atlântico ainda estava intacto, apesar das mudanças sísmicas desencadeadas por Donald Trump, incluindo as suas políticas comerciais disruptivas, desprezo pelo sistema multilateral, ameaças anexacionistas e a posição em relação à Rússia, que alienaram os aliados tradicionais de Washington.
Questionada sobre se a América é um amigo, um ex-amigo ou um adversário, a chefe da Comissão Europeia evitou “este tipo de classificações”, admitindo que a relação é “complicada”.
Von der Leyen não criticou explicitamente Trump – na verdade, o seu nome foi apenas mencionado pelo jornalista – mas sugeriu repúdio pelo país que Trump está a tentar construir através da sua série de ordens executivas.
“A Europa continua a ser um projecto de paz. Não temos amigos ou oligarcas a ditar as regras. Não invadimos os nossos vizinhos e não os castigamos. Pelo contrário, há doze países em lista de espera para se tornarem membros da União Europeia. São cerca de 150 milhões de pessoas”, disse, referindo-se ao processo de adesão.
“Na Europa, as crianças podem frequentar boas escolas, independentemente da riqueza dos pais. Temos menos emissões de CO2, temos uma esperança de vida mais elevada. Nas nossas universidades são permitidos debates polémicos. Tudo isto e muito mais são valores que devem ser defendidos e que mostram que a Europa é mais do que uma união. A Europa é a nossa casa. E as pessoas sabem-no”.
Relativamente às negociações em curso com a Casa Branca, a presidente da Comissão confirmou que tanto os produtos manufacturados como os serviços digitais americanos poderão ser alvo de retaliação, caso as conversações não cheguem a uma solução. Bruxelas espera que a pausa de 90 dias introduzida por Trump, e retribuída por von der Leyen, conduza a um compromisso em que as tarifas sejam abolidas ou significativamente reduzidas.
Mas ir atrás dos valiosos serviços oferecidos por Silicon Valley arrisca-se a fazer espoletar a ira da administração Trump, que se tem queixado repetidamente, e de forma veemente, dos regulamentos que a UE introduziu nos últimos anos para controlar o poder das chamadas “Big Tech”.
Acredita-se que a Comissão esteja na fase final das investigações, ao abrigo da Lei dos Mercados Digitais, sobre a Meta e a Apple, um processo acompanhado de perto que poderá conduzir a pesadas multas. O executivo insiste que os inquéritos são completamente separadas das negociações comerciais, mas a coincidência no tempo de ambas as acções lançou as bases para um confronto potencialmente explosivo.
“Estamos a definir claramente a nossa posição e os americanos estão a fazer o mesmo. E essa é a essência de qualquer negociação: nada é acordado até que tudo tenha sido acordado. E penso que, quer estejamos a negociar bens industriais ou bens digitais, temos o direito de apresentar todos os aspetos da situação”, disse von der Leyen.
“Para elas [as grandes empresas de tecnologia], a Europa é um mercado muito atractivo e rico. Tem 450 milhões de pessoas que, em comparação com o resto do mundo, têm um elevado nível de vida e tempo livre. Isto significa que, aqui na Europa, há um enorme volume de negócios e enormes lucros nos serviços digitais. Nenhuma empresa quer perder o acesso a este mercado”.
As taxas de Trump em Moscovo (Rússia) e Beijing (China)
Enquanto a Europa enfrenta uma “tarifa recíproca” punitiva de 20 por cento, a China foi alvo de uma taxa colossal de 145 por cento, o que levou a um corte total com Beijing, que respondeu aos EUA com um aumento das taxas para níveis semelhantes. Os direitos aduaneiros são tão elevados que ambos os mercados se fecharam efectivamente um ao outro, alimentando o receio de que a China, em busca de um mercado alternativo, redireccione maciçamente as suas exportações de baixo custo para a Europa.
A Comissão manter-se-á “muito vigilante” para garantir que a inundação não se concretiza, afirmou von der Leyen. No entanto, quando questionada sobre se a Europa deveria “confiar nos chineses”, von der Leyen não refutou as crescentes especulações de uma aproximação.
“Em princípio, se as condições de acesso ao mercado se tornam mais difíceis para um grande parceiro comercial como os EUA, é evidente que estamos à procura de novos parceiros comerciais para facilitar o acesso das nossas empresas a novos mercados”, respondeu.
Von der Leyen, que durante o seu primeiro mandato promoveu uma estratégia de redução de risco para lidar com a China, suavizou a sua posição nas últimas semanas, falando antes de uma política externa “transacional” que pode levar a um compromisso “construtivo” com países que não partilham necessariamente os valores fundamentais do bloco, como a China.
No entanto, a parceria “sem limites” entre o presidente chinês, Xi Jinping, e o presidente russo, Vladimir Putin, vai ser um obstáculo formidável a qualquer tentativa de descongelamento das relações. Na entrevista, von der Leyen advertiu que as “ambições imperialistas” de Putin poderiam levá-lo a ousar atacar um Estado-membro da NATO ou da UE no futuro.
Alguns Serviços de Informação e Segurança europeus, em particular dos Nórdicos e Bálticos, estimam que o Kremlin poderá estar preparado para um tal ataque em 2030, informações, entretanto, consideradas alarmistas e com pouco fundamento por vários especialistas de defesa e segurança, como o major-general Agostinho Costa, e o major-general Carlos Branco. Os dois especialistas consideram que algumas capitais europeias usam esse tipo de narrativa para justificar junto da opinião pública os planos de rearmamento da Europa.
Com Trump a não mostrar qualquer intenção de aprovar mais assistência militar ou financeira à Ucrânia, a Europa está a apressar-se a pagar a conta e a preencher a lacuna, mesmo que as suas capacidades não consigam igualar o poderio americano. Paralelamente, os aliados ocidentais criaram uma “coligação de interessados” para dar garantias de segurança a Kiev e salvaguardar um potencial acordo de paz.
“O país defendeu-se corajosamente com a ajuda dos seus amigos”, disse von der Leyen quando questionada sobre se a Europa poderia apoiar a Ucrânia sozinha. “E é extremamente importante que mostremos a nossa força porque, desde o início, Putin calculou que o apoio à Ucrânia se iria desmoronar. De facto, aconteceu o contrário”.
(AIM)
DM