Maputo, 7 Jan (AIM) – As manifestações dos dias 23 e 24 de Dezembro, caracterizadas por vandalização, pilhagem e saque aos estabelecimentos comerciais, destruindo por completo o comércio em algumas regiões do país, afectaram severamente os empregadores, que poderão invocando a figura de força-maior ou caso fortuito, previsto no artigo 134 da Lei de Trabalho.
Essa abordagem constitui uma tentativa de resposta do advogado e especialista em direito laboral, Valdez Beleza, às inquietações jurídicas colocadas tanto pelos empregadores como os trabalhadores afectados pelas manifestações violentas, alegadamente, levadas a cabo como protesto aos resultados eleitorais considerados fraudulentos.
“A vandalização e saque, foi uma ocorrência imprevisível que afectou a actividade, daí que o empregador pode suspender temporariamente os contratos de trabalho. Para o efeito, deve comunicar a todos os trabalhadores os fundamentos da decisão, indicando a data do início e termo da suspensão”, explica o advogado Valdez Beleza, fazendo análise da situação sob perspectiva jurídica.
Afirma que, com a suspensão dos contratos, o empregador não tem obrigatoriedade de pagar salários e de mais direitos e deveres, uma vez que, com a suspensão do contrato, suspende-se igualmente o pagamento do salário, no âmbito da força-maior prevista no artigo 134 da Lei de Trabalho, devendo manter apenas o dever de lealdade e respeito mútuo.
Adverte que, a não obrigatoriedade de pagamento de salário, pode dificultar a vida dos trabalhadores, tendo em conta que boa parte depende do salário e não tem outra fonte de renda.
As manifestações referidas tiveram como consequência imediata, perto de 15 mil moçambicanos que perderam seus postos de trabalho, relegando famílias para penúria e incerteza.
Antes da vandalização e saques dos dias 23 e 24, vários trabalhadores de diferentes sectores e ramos de actividade, sofriam faltas e descontos salariais pelo facto de não conseguirem se apresentar nos seus postos de trabalho devido às manifestações violentas em curso no país, caracterizadas por bloqueios de estradas impossibilitando a circulação de pessoas e bens.
Uma série de queixas e denúncias apontavam que, o patronato não queria saber dos constrangimentos e riscos que os trabalhadores enfrentavam na via pública, numa altura de violência extrema. O patronato limitava-se apenas a marcar faltas injustificadas, situação que colocou a classe trabalhadora como a maior vítimas das manifestações.
Em alguns casos, houve risco de despedimentos, factor que forçou os trabalhadores a percorrer longas distâncias, colocando em risco a sua integridade física para conseguirem chegar a tempo e horas aos seus postos de trabalho.
Sobre este aspecto, a Lei de Trabalho é clara quanto a faltas previstas e justificadas, onde o colaborador pode não comparecer ao serviço sem prejuízo do salário, designadamente, nascimento de filhos, casamento, falecimento de familiares, entre outros. No entanto, a mesma lei não prevê faltas por causa das greves, manifestações e protestos, uma lacuna-legal que prejudica a classe dos trabalhadores e operários.
Para compreender as implicações legais do fenómeno, a AIM ouviu o especialista em direito laboral, Paulino Cossa, com uma larga experiência em assuntos ligados a direito laboral e segurança social na Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA).
Cossa reconhece que a massa trabalhadora está a enfrentar uma situação complicada porque os empregadores estão a descontar as faltas na folha de salário. No entanto, explica que, o salário é uma contraprestação de um serviço, em que, não tendo sido prestado não tem como ser pago, fora dos casos devidamente acautelados na lei.
“Naturalmente, a justificação dessa falta ainda que seja aceite não implica obrigatoriamente o pagamento de salário. Infelizmente, o salário é uma contraprestação. Prestou recebe, não prestou não recebe. Mas o empregador, querendo e havendo capacidade pode pagar”, disse Cossa.
A fonte ressalta que caso as faltas estejam injustificadas, o patronato pode não pagar, tendo em conta que o salário resulta de prestação de serviço. Segundo Paulino Cossa, as faltas resultantes de manifestações devem ser justificadas, mas a justificação, ainda que seja aceite do ponto de vista jurídico-legal, não significa que o patronato seja obrigado a pagar salário.
Sublinha que, a lei permite que o empregador não pague salário quando o serviço não foi prestado, mas entende que, numa situação destas, aconselha-se aos empregadores que tenham capacidade para que continuem a honrar compromissos com trabalhadores, mesmo em situação em que estes, não consigam se fazer ao trabalho.
“Os trabalhadores impedidos de prestar serviços, o aconselhável era que, havendo capacidade das empresas devem continuar a fazer, porque está em jogo o sustento das famílias, mas enquanto não existir essa capacidade, não há outra saída”, salientou.
“Não é por sua vontade do empregador, mas por razões conjunturais. São questões políticas e não laborais que impedem o trabalhador de prestar serviços”, vinca.
Na visão do advogado, a outra saída seria o executivo decretar o Estado de Emergência ou de Sítio, para o próprio Estado poder salvaguardar os direitos dos trabalhadores na perspectiva de garantir que os postos de trabalho não desapareçam. “Isso se faz através de subsídio às empresas para que continuem a responder às demandas. O Estado pode intervir directamente no salário dos trabalhadores’’, avançou.
Explicou que, em Moçambique, predominam maioritariamente as Pequenas e Médias Empresas, com capacidade reduzida de sobrevivência em situação desta natureza, cenário agravado pelo conflito de deveres em que o Estado está mergulhado. “De um lado não consegue garantir que as empresas funcionem, mesmo por via de subsidiar não está a conseguir”, disse.
“O que se aconselha quanto a mim para ultrapassar a situação, não é o diálogo, mas também negociação. O meu entendimento é que atrasamos muito a fazer as coisas. É preciso que haja negociação para criar condições para que os seus trabalhadores possam se fazer aos seus trabalhos e, por via disso, as empresas terem capacidade de pagar salários”, aponta.
Para o Egas Daniel, economista que actua no sector privado, com larga experiência em economia das empresas e assuntos ligados a salários e remunerações, entende que, a Lei de Trabalho deve obrigar o Instituto de Segurança Social (INSS), onde os trabalhadores descontam, intervir em situações do género, pagando salários das faltas consideradas injustificadas a luz da Lei de Trabalhado.
“A lei deve ser revista para acomodar situações do género, o INSS não deve continuar a pular em casos idênticos”, refere.
O conceito de falta é a ausência do trabalhador no local de trabalho durante o período estipulado para realizar suas actividades.
Dada a situação actual, marcada por protestos que impossibilitam os trabalhadores de se fazerem aos locais de trabalho, as entidades empregadoras estão no direito de marcar faltas, desde que estas sejam justificadas, reconhecendo a lacuna-legal que não prever faltas por situações ligadas a protestos e manifestações.
(AIM)
Paulino Checo (PC)/sg