Lisboa, 12 Nov (AIM)- Cerca de três anos depois do início da guerra na Ucrânia, apelidada pela chamada coligação alargada do ocidente (União Europeia, NATO e outros países) como invasão da Ucrânia pela Rússia, e classificada por Moscovo como “Operação Militar Especial”, um dos juízes do Supremo Tribunal Ucraniano, Yuriy Chumak, reafirma que o estado de espírito dos ucranianos “é patriótico, não mudou, estamos prontos para ir até ao fim”, mas, ressalva que o destino pode estar a mudar.
A reacção de Yuriy Chumak vem inserida num artigo com o título “Um juiz, um cantor de ópera e um apresentador. A Rússia está a atacar como nunca e a Ucrânia resiste como pode”, publicado esta terça-feira pela CNN. Entretanto, um estudo de opinião, realizado em Maio pelo Instituto Internacional de Sociologia em Kiev, a capital ucraniana, revelou que 57 por cento dos ucranianos defendem o início das negociações entre Kiev e Moscovo, mas 38 por cento opõem-se.
A sondagem foi financiada pelos Estados Unidos da América (EUA) e Suécia. A guerra na Ucrânia começou em Fevereiro de 2022.
O artigo da CNN acrescenta que desde 1 de Setembro, a capital ucraniana, Kiev, só foi poupada aos ataques de drones russos numa única noite – 14 de Outubro.
Em todas as outras noites, muitos dos seus 4,5 milhões de habitantes foram acordados pelas sirenes e correram para algum tipo de abrigo ou esconderam-se nas casas de banho.
Só na primeira semana de Novembro, as sirenes tocaram durante 43 horas.
Esta investida é apenas um indicador da capacidade da Rússia para prosseguir o seu ataque a todo o vapor, mesmo quando a Ucrânia enfrenta uma profunda incerteza quanto ao futuro apoio dos EUA e da Europa.
As cidades de Kharkiv, Zaporizhzhia e Odessa também foram alvo de frequentes ataques de drones e mísseis nas últimas semanas, no que parece ser um novo esforço russo para quebrar a determinação dos civis ucranianos.
No sábado (09) à noite, as defesas aéreas ucranianas detectaram um número recorde de 145 drones “Shahed”.
O aumento dos ataques às cidades ocorre numa altura em que as forças russas continuam a ganhar terreno em Donetsk, enquanto as unidades ucranianas sofrem de escassez de recursos humanos e estão cada vez mais esticados ao longo da vasta linha da frente.
Ansiedade constante
Os residentes de Kiev relataram à CNN as longas e assustadoras noites de sirenes e ataques, com detritos a caírem sobre blocos de apartamentos, empresas e casas.
Viktoria Kovalchuk diz que, na semana passada, depois de os destroços de um drone terem caído perto da sua casa, o seu filho Teo, de seis anos, ficou “muito assustado e agarrou-se a mim”.
Kovalchuk explica que Teo estava num estado de ansiedade constante. “Nos últimos dois meses, quando os bombardeamentos se tornaram mais frequentes, escondemo-nos”.
“Não me lembro de ter tido uma noite de sono em condições”, acrescenta.
As empresas também estão a sofrer. Um homem que dá o seu nome como Maksym refere à CNN que os detritos perfuraram o telhado do seu restaurante na semana passada, causando mais de nove mil euros de prejuízos
“Vamos restaurar tudo sozinhos e continuar a trabalhar como temos estado a fazer”, insiste.
Os alarmes, por si só, perturbam enormemente a vida da cidade. As pontes fecham, os transportes públicos são interrompidos e as duas partes da capital, uma de cada lado do rio Dnipro, ficam efectivamente isoladas.
Konstantin Usov, vice-presidente da Câmara Municipal de Kiev, garante à CNN que, durante os ataques, “a cidade congela… só isto provoca enormes atrasos no funcionamento da economia da cidade”.
Muitas crianças não vão à escola durante os alertas, aponta Usov.
Muitas baterias de defesa aérea são geridas por voluntários de todos os sectores da vida quotidiana – entre eles um dos juízes do Supremo Tribunal da Ucrânia, Yuriy Chumak.
O magistrado diz à CNN que as unidades de defesa territorial incluem membros do parlamento, um cantor de ópera e um apresentador de televisão.
“Estamos a fazer isto há mais de dois anos”, lembra, mas a intensidade dos ataques com drones atingiu o pico nos últimos dois ou três meses.
O seu equipamento é de baixa tecnologia – metralhadoras nos telhados de oito edifícios altos. “Os drones voavam baixo, pelo que era realista e barato abatê-los com uma metralhadora”.
“À noite, estamos sempre de serviço. Agora, há ataques todos os dias”, acrescenta Chumak.
Os ataques com drones parecem ser calculados para incutir medo e não para causar vítimas em massa, mas várias pessoas foram mortas nas últimas semanas. Entre elas, Mariya Troyanivska, de 15 anos, descrita pela sua escola de Kiev como uma inspiração “que amava a vida e dava alegria a todos à sua volta”.
Os ataques incessantes parecem estar a corroer o moral. O Instituto Internacional de Sociologia de Kiev pergunta regularmente às pessoas se a Ucrânia deve continuar a lutar durante o tempo que for preciso. O número de respostas afirmativas caiu de 73 por cento em Fevereiro para 63 por cento no mês passado Outubro).
Linhas da frente “difíceis”
Esta percepção é provavelmente alimentada por notícias vindas da frente, onde os ataques russos continuam a corroer as defesas ucranianas, especialmente perto do centro principal de Pokrovsk, em Donetsk.
O chefe das forças armadas, Oleksander Syrskyi, disse no sábado que “a situação continua difícil e tende a agravar-se. O inimigo, tirando partido da sua superioridade numérica, continua a conduzir acções ofensivas e concentra os seus principais esforços nas direcções de Pokrovsk e Kurakhove”.
Depois de uma viagem de duas semanas à Ucrânia, no mês passado, o analista Konrad Muzyka, da Rochan Consulting, explica que o principal problema é a integração das tropas recentemente mobilizadas.
Muzyka publicou na rede social X que a incursão ucraniana na região russa de Kursk “esticou ainda mais as já pequenas forças ucranianas”.
Os ucranianos estão a utilizar uma variedade de drones no campo de batalha para infligir perdas aos russos. Segundo Syrskyi, só em Outubro, mais de 52 mil alvos inimigos foram destruídos ou danificados por drones.
Mas os drones não podem compensar a falta de infantaria, reflecte Muzyka. Apesar de uma lei aprovada no início deste ano para melhorar a mobilização, “a presença de unidades/soldados recentemente mobilizados é praticamente imperceptível”.
“Temos uma situação em que os ucranianos não só não conseguem acompanhar a reposição das perdas, como também perdem soldados a um ritmo cada vez mais rápido devido à queda do moral”, escreveu Muzyka no X.
As forças russas tornaram-se mais hábeis a explorar os pontos mais fracos da linha da frente, o que lhes permitiu destruir as defesas ucranianas num raio de 10 quilómetros de Pokrovsk.
Em muitas outras partes da linha de frente de quase mil quilómetros, os ucranianos também estão na defensiva, e alguns analistas esperam outro avanço russo no sul. Os únicos ganhos dos ucranianos este ano foram no interior da Rússia, onde lançaram uma incursão surpresa na região de Kursk em Agosto.
As perspectivas negativas ensombraram o estado de espírito dos aliados da Ucrânia, que falam muito menos da vitória de Kiev no campo de batalha – e muito mais da manutenção de terreno suficiente para forçar o Kremlin a negociar.
O secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, deu a entender isso mesmo. “Nenhuma capacidade isolada fará virar a maré. Nenhum sistema irá acabar com o ataque de Putin. O que importa são os efeitos combinados das capacidades militares da Ucrânia – e mantermo-nos concentrados no que funciona.”
Rym Montaz, do Carnegie Endowment for International Peace, avalia que existe um “consenso crescente e silencioso de que as negociações, que implicarão aceitar pelo menos uma perda temporária de soberania sobre os territórios, são a única forma de acabar com esta guerra”.
“Kiev está num dos seus pontos mais fracos desde Fevereiro de 2022 e a perspectiva de vender essa negociação é um campo minado político” para Volodymyr Olexandrovytch Zelensky, presidente da Ucrânia, diz Montaz.
A vitória, definida pelo governo ucraniano como a expulsão das tropas russas de todo o seu território, é amplamente vista como inatingível.
Num novo ensaio na Foreign Affairs, Richard Haass diz que “Washington tem de enfrentar a dura realidade da guerra e aceitar um resultado mais plausível”.
“Não existe uma arma que mude o jogo ou uma restrição levantada que permita à Ucrânia defender simultaneamente o que já controla e libertar o que não controla”, escreve Haass.
As autoridades ucranianas estão a dar uma cara corajosa a uma perspectiva sombria.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrii Sybiha, disse no sábado (09): “Estou convencido de que estamos todos unidos pelo objectivo de alcançar uma paz justa para a Ucrânia e parar a agressão russa… estamos a falar de uma paz justa, não de apaziguamento”.
O caminho para qualquer negociação é – para dizer o mínimo – pouco claro. O Kremlin afirma que os seus objectivos na Ucrânia se mantêm inalterados: a anexação de quatro regiões do leste e do sul da Ucrânia. As forças russas já ocupam quase toda a região de Lugansk e partes substanciais de Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson – no total, cerca de 20 por cento da Ucrânia.
“Se a Ucrânia quiser persuadir a Rússia a participar nas conversações de paz, tem de começar por estabilizar a frente e reconstruir as suas forças de forma a poder conduzir ofensivas”, diz Muzyka.
Com o triunfo eleitoral de Donald Trump, nos EUA, a discussão sobre a forma de pôr fim ao conflito vai agora intensificar-se. O presidente eleito já afirmou anteriormente (em contexto de campanha eleitoral) que poderia acabar com a guerra em 24 horas e, em Setembro, declarou: “Penso que é do interesse dos Estados Unidos acabar com esta guerra e simplesmente terminá-la”.
Uma opção favorecida pelo seu vice-presidente eleito, JD Vance, é congelar o conflito nas suas linhas actuais com uma zona desmilitarizada fortemente fortificada para dissuadir uma futura agressão russa. Ao longo de uma linha da frente mal definida com centenas de quilómetros de comprimento, isso seria uma tarefa assustadora e talvez impossível.
O Kremlin seria recompensado com o controlo dos territórios já conquistados. Moscovo também exigiria garantias de neutralidade da Ucrânia ou, pelo menos, a suspensão por tempo indeterminado da sua vontade de aderir à NATO.
Mesmo com o pé atrás, seria impossível para o presidente Volodymyr Zelensky engolir esta decisão sem garantias da segurança futura da Ucrânia. E depois dos sacrifícios dos últimos mil dias, seria também desagradável para muitos ucranianos.
(AIM)
CNN/DM