
Cidade de Lisboa
Por Domingos Mossela, em Lisboa
Lisboa, 23 Dez (AIM)- No dia em que 21 personalidades escreveram uma carta aberta ao Primeiro-ministro português sobre a operação policial da semana passada na Martim Moniz, na baixa lisboeta, acusando Luís Montenegro de um “ataque ao Estado Social e de Direito”, vários analistas e comentadores sublinharam este fim de semana que a operação “não contribui para a solução do problema de insegurança” em Portugal.
Imagens divulgadas nas redes sociais sobre o momento da operação da Polícia de Segurança Pública (PSP), na Praça Martim Moniz, mostram dezenas de pessoas (imigrantes asiáticos) encostadas à parede, de mãos no ar, para serem revistadas pela polícia, e comentários sobre a necessidade daquele procedimento. Apenas duas pessoas foram detidas.
Por isso, as 21 personalidades defendem que as imagens que mostram os imigrantes perfilados contra a parede são intoleráveis, fazem lembrar tempos enterrados e são um tratamento degradante proibido pela Constituição portuguesa.
Acusam o Governo de ter usado a policia como alfinetes na lapela em exibição de autoritarismo e de seguir a via de um estado punitivo e assumem em que não vão calar-se perante este modelo que o Governo da Aliança Democrática (PSD e CDS-PP) faz do Estado, já testado noutros países e com resultados desastrosos.
Esta carta aberta divulgada no jornal “Público” é assinada por personalidades de vários quadrantes políticos, incluindo Ana Catarina Mendes, Alexandra Leitão, e Augusto Santos Silva do Partido Socialista (PS), Catarina Martins do Bloco de Esquerda, Rui Tavares do Livre, Inês Sousa Real do PAN e Manuel Loff do Partido Comunista Português (PCP).
Há também um ex-deputado do Partido Social-Democrata (PSD), António Topa Gomes, e personalidades como o músico Dino d’Santiago e Joaquim Sousa Ribeiro, antigo presidente do Tribunal Constitucional.
Reacção do Primeiro-ministro
O primeiro-ministro português realçou, na quinta-feira, importância de policiamento visível, considerando que a operação da PSP no Martim Moniz foi “muito importante” para criar “visibilidade e proximidade” no policiamento e para aumentar a sensação de tranquilidade dos cidadãos portugueses. “Muitas vezes não é preciso que haja muitos crimes para que as pessoas se sintam inseguras”, justificou Luís Montenegro.
O que dizem alguns analistas, comentadores e políticos
A reacção de Luís Montenegro “confirma que a política do Governo é securitária”, disse este domingo (22) Rui de Carvalho de Araújo Moreira, autarca do Porto, no Norte de Portugal, no habitual comentário semanal na CNN Portugal, analisando a operação da PSP no Martim Moniz, em Lisboa, na tarde de quinta-feira (19), bem como as reacções que se seguiram.
Rui Moreira sublinhou que a PSP não pode ser “instrumentalizada”, afirmando que seria benéfica a presença diária das forças de segurança no local, em detrimento destas “acções musculadas”.
No sábado à tarde (21), dezenas de pessoas juntaram-se no Martim Moniz em solidariedade com os imigrantes depois da operação policial de quinta-feira. Todos os partidos de esquerda estiveram presentes, com críticas ao governo de estar a utilizar a polícia para se aproximar do eleitorado da extrema-direita.
O que diz o líder do PS, principal Partido da oposição
Pedro Nuno Santos, líder do Partido Socialista (PS), acredita que a segurança é “um tema que preocupa os portugueses”, mas que tem de ser resolvido “com seriedade”.
Nuno Santos questionou a legalidade da intervenção da PSP, na quinta-feira, na Praça Martim Moniz
“Aquela acção não fez nada pela segurança dos portugueses”, criticou o líder socialista. “Antes pelo contrário”, ressalvou, citado pela RTP. “Sinalizou uma comunidade como potenciais criminosos”.
Segundo Pedro Nuno Santos, a operação da PSP mostrou que houve “um único detido”.
As pessoas que, na sua maioria, pertencem à referida comunidade (asiática) “querem trabalhar e estar em Portugal”.
“São pessoas de trabalho”, frisou. “Temos de dar respostas aos problemas. Aos problemas reais, não aos problemas imaginários”.
Ainda deixando criticas à operação na Martim Moniz, o líder do principal partido da oposição afirmou que os políticos não devem “gerir percepções”, mas para “resolver problemas reais”. Pedro Nuno Santos lamentou ainda não ter ouvido nem da parte do presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas (do PSD), nem do primeiro-ministro “soluções ou políticas concretas para resolver problemas da segurança e da insegurança”.
Para o secretário-geral do PS, é “claro que há uma instrumentalização por parte do Governo, há apropriação da imagem e do trabalho das forças de segurança”.
“As acções preventivas fazem parte do trabalho das forças de segurança, mas o que a lei exige é que sejam proporcionais”, acrescentando que o Partido Socialista tem “muitas duvidas sobre a proporcionalidade e a legalidade da acção”.
Por esse motivo, o partido da oposição chamou para ser ouvida no Parlamento a ministra da Administração Interna, Maria Margarida Blasco Martins Augusto, e o director Nacional da PSP. “A acção (de sexta-feira) tem de ser explicada e os fundamentos que justificaram têm de ser explicados”.
Reacção do PCP
No final da reunião do Comité Central do Partido Comunista Português (PCP), que decorreu no sábado na sede do partido em Lisboa, o líder comunista acusou o Governo de ter usado as polícias para uma operação de propaganda política.
Paulo Raimundo diz que estão a ser alimentadas concepções reaccionárias e perigosas e por isso o Presidente da República não pode ficar em silêncio.
Opinião de antigo líder do PSD
Para Luís Marques Mendes, comentador da SIC Notícias, a operação policial realizada na Praça Martins Moniz, foi “necessária”. Também não tem dúvidas sobre a legalidade da mesma. Quanto à proporcionalidade dos meios utilizados, afirma que “a PSP já deu explicações, mas, se persistirem dúvidas, devem ser chamados os responsáveis ao Parlamento.”
“Ouviram-se críticas que sugerem que esta operação foi inédita. Mas isso não é verdade. Estas operações têm ocorrido ao longo dos anos. Houve várias durante governos anteriores. Uma das últimas grandes operações policiais, onde várias pessoas foram revistadas e encostadas às paredes no Cais do Sodré, na baixa lisboeta, aconteceu precisamente durante o governo anterior” (PS), contextualizou Marques Mendes, citado pelo jornal “Expresso”.
Para o comentador, a “necessidade” da operação no Martim Moniz pode ser contestada. “Há um aumento do tráfico de droga e há zonas da Área Metropolitana de Lisboa que são muito sensíveis. É natural que se realizem operações deste género. Aliás, houve várias freguesias que pediram operações deste género”.
Também a legalidade da mesma “não está em causa”. Já a questão da proporcionalidade “é a mais delicada”. Ainda assim, Marques Mendes considera que as explicações da PSP foram satisfatórias. Porém, sublinha: “Se restarem dúvidas, os responsáveis devem ser chamados ao Parlamento, que existe precisamente para isso.”
O comentador deixou ainda “dois apelos” a respeito deste tema.
O primeiro, dirigido aos políticos: “Têm todo o direito de criticar, mas, numa matéria tão sensível, devem fazê-lo com equilíbrio e moderação. A PSP e as forças de segurança não pertencem nem ao governo nem à oposição; são do país. Precisam de estar motivadas e prestigiadas. Um discurso moderado é essencial. As forças de segurança não podem ser um saco de boxe da luta política.”
O segundo apelo foi dirigido à própria PSP e às forças de segurança: “Devem actuar com profissionalismo. Não podem comprometer a dignidade e o recato das pessoas. E, igualmente importante, não devem deixar-se instrumentalizar nem pelo governo nem pela oposição, seja ela de esquerda ou de direita.”
(AIM)
DM/sg